Por Giuliana Ortega*

O ano de 2016 transcorre com muitos pontos de interrogação para a sociedade brasileira. Por isso mesmo não deve ser deixada de lado uma questão que, embora não tenha a mesma visibilidade midiática, também é fundamental para a consolidação da democracia no Brasil: a sustentabilidade das organizações da sociedade civil.

O tema já vem sendo discutido intensamente nos últimos anos por instituições privadas que realizam investimentos no campo social, organizações que dependem desses recursos para atuarem em suas causas e órgãos de governo. O cenário que se apresenta é o de contenção do repasse de recursos do investimento social privado às organizações não governamentais (ONG) e vários fatores contribuíram para isso.

Mas agora, ironicamente, os impactos da crise econômica brasileira trazem um sentido de urgência ainda maior, pois à diminuição do fluxo de recursos externos soma-se a ameaça de fechamento das fontes internas que irrigavam os investimentos sociais.

Na década passada, por exemplo, a vitalidade econômica do país e o aumento do poder aquisitivo das classes mais pobres acabaram por induzir organismos multilaterais e de cooperação, bem como as fundações internacionais, a direcionarem para outros países recursos que antes vinham para o Brasil. Já estava clara, portanto, a necessidade de criação de uma nova arquitetura de financiamento para o tecido social local, o que passa necessariamente pelo desenvolvimento da cultura de doação.

Vivemos um momento estrategicamente importante para o investimento social privado, que leva ao resgate de perguntas existenciais. Qual é o sentido da doação? Como e por que garantir a sustentabilidade das organizações da sociedade civil? Como fazer com que a sociedade compreenda a fundamental importância dessas organizações para a construção democrática?

É tempo de convocar esforços para manter os projetos, os recursos humanos, financeiros e materiais, que estão sob o risco de contingenciamento pelas dificuldades vividas pelas empresas. Não podemos perder de vista as oportunidades que aparecem com as crises e esse pode ser o impulso necessário para ações criativas, fortalecendo meios alternativos de sustentação dos projetos sociais.

Há promissoras iniciativas em curso para desenvolver mecanismos de captação e mobilização de recursos. Entre os caminhos que despontam estão a recente instituição do Dia de Doar, celebrado em 1 de dezembro, e a criação, pelo Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), do Fundo Bis, nome que remete à multiplicação de recursos, de doações e de ações sociais. O Gife recomenda que seus mais de 100 associados doem 1% de seus orçamentos ao fundo, que cumprirá um duplo papel: será uma estratégia de alavancagem de recursos e também terá como finalidade financiar iniciativas inovadoras — como campanhas e pesquisas — que possam aperfeiçoar o ambiente para doações no Brasil.

No espírito de conhecer melhor as motivações que incentivam os brasileiros a se tornar doadores e com isso traçar formas de incremento à prática da doação, nós, do Instituto C&A, apoiamos a primeira edição da pesquisa Doação Brasil, realizada pela própria instituição para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis). O projeto envolve múltiplas organizações e empresas, tendo recebido cofinanciamento e lançado mão de estratégias criativas de levantamento de fundos via plataforma virtual.

Em sintonia com o mesmo desafio de aumentar a massa crítica sobre cultura de doação no Brasil, outras linhas de estudo já instituídas se consolidam, caso da pesquisa Benchmarking de Investimento Social Corporativo (BISC), que em sua última edição constatou o desejo de os investidores sociais privados buscarem formas de aumentar o impacto dos recursos que aportam, e do Censo Gife, a mais completa radiografia sobre o investimento social privado o Brasil.

Quanto mais conhecimento acumularmos e argumentos reunirmos, mais oportunidades serão identificadas para a cultura da doação deslanchar no Brasil. Os tempos de incerteza que vivemos podem representar um marco histórico para a nossa sociedade — tudo depende de como lidaremos com eles. Tomara que o futuro traga mais do que respostas econômicas e políticas — e ilumine a construção de uma ambiência que reconheça e acolha com generosidade os movimentos sociais, em seu esforço genuíno para a garantia dos direitos básicos da cidadania.

 

*Diretora executiva do Instituto C&A.