Por: Brenda Rocha, analista de Cidadania Corporativa Sênior na Firjan
Carolina Helena Oliveira da Silva, analista de Negócios em Responsabilidade Social Pleno na Firjan
Erik Oliveira, head de ESG no Intex Bank Banco de Câmbio
Giovanna Costa, geógrafa e analista de Projetos em Meio Ambiente e Clima no Instituto Ethos
Rayhanna Fernandes, doutora em Direito e Gerente de ESG na Protiviti Brasil

  1. Introdução:

Conhecido como Acordo de Escazú, o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe é o primeiro tratado ambiental da região latino-caribenha, sendo entendido como uma resposta institucional ao contexto de maior violência e risco contra defensores ambientais[1] em todo o mundo.  

A concepção para o Acordo emergiu da Rio+92[2], um dos principais marcos na história da política internacional sobre a agenda ambiental, que estabeleceu a necessidade de fortalecer os chamados direitos de acesso como base para a governança democrática do meio ambiente. Esse compromisso se consolidou com o princípio 10 da declaração da conferência e, 20 anos depois, na Rio+20[3], teve seu processo de aplicação iniciado. O princípio sustenta que a melhor forma de tratar as questões ambientais é de os Estados disporem adequadamente as informações de interesse público sobre ações de risco e garantirem condições para a participação ativa da população nas decisões dessa natureza.

Aprovado em 2018 na cidade de Escazú, Costa Rica, após um longo processo de articulação entre governos e sociedade, o tratado estabelece obrigações vinculantes para a proteção dos defensores e dos direitos socioambientais coletivos. Entrou em vigor em 2021, após alcançar o mínimo de 12 ratificações, contando atualmente com 18 países signatários. O Brasil fez um movimento importante ao enviar o Acordo ao Congresso Nacional em 2023, reforçando a necessidade de alinhar as políticas públicas e as práticas empresariais aos compromissos internacionais de direitos humanos e sustentabilidade. Países como Chile e México já avançaram na implementação de marcos nacionais de proteção a defensores ambientais e de acesso à informação, servindo de referência para a construção de caminhos semelhantes no contexto brasileiro. Entretanto, apesar de seu papel fundamental na articulação, o Brasil ainda não ratificou o Acordo e, mais recentemente, teve seu parecer negado pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional do Congresso[4], o que representa um risco para a efetividade, segurança jurídica e fortalecimento de ações e políticas públicas em torno do tema.

Partindo desse panorama, e reconhecendo a crescente necessidade de uma atuação empresarial responsável e alinhada a uma concepção sistêmica entre os princípios de integridade, meio ambiente e direitos humanos, este artigo – desenvolvido no âmbito do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente do Instituto Ethos – busca estabelecer conexões entre as diretrizes do Acordo de Escazú e a prática corporativa. Propõe-se refletir sobre como as empresas podem incorporar seus princípios à gestão e à tomada de decisão, promovendo transparência, engajamento social e proteção de pessoas e do meio ambiente, inspirando o setor a se posicionar proativamente pela ratificação do Acordo no Brasil.

  1. Quais convergências podem ser pensadas a partir do Acordo para a atuação empresarial responsável?

O Acordo de Escazú, em seu princípio, é um instrumento voltado para a responsabilização pública, direcionado principalmente aos Estados para garantir o acesso à informação, participação social e acesso à justiça em questões ambientais, como apresentado anteriormente. Por outro lado, sua abrangência e os princípios fundamentais que o sustentam permitem uma conexão importante com o debate sobre governança corporativa, desenvolvimento econômico e socioambiental.

O tratado parte da premissa de que a sustentabilidade e a democracia ambiental são dimensões indissociáveis. Isso significa dizer que a proteção do meio ambiente depende da transparência, do acesso à informação e da inclusão de múltiplas vozes — inclusive as de comunidades afetadas, povos indígenas, defensores ambientais e sociedade civil. Esses elementos convergem diretamente com o que se espera de uma atuação empresarial responsável, baseada em transparência, engajamento de stakeholders e respeito aos direitos humanos e ambientais.

Especialmente nos últimos anos, a opinião pública (agentes de mercado, investidores, consumidores, mídias, órgãos de classe, entre outros) e os consumidores têm exigido progressivamente maior comprometimento e responsabilização das empresas, cobrando que as atividades econômicas sejam orientadas, por exemplo, a partir do que convencionou-se chamar de ASG, um conjunto de critérios ambientais, sociais e de governança. Não é trivial, portanto, que a sociedade também demande que as empresas estejam atentas aos desafios e problemas presentes no contexto em que estão inseridas.

Essa relação é relevante porque, mesmo que o Acordo articule diretrizes para a governança pública, suas diretrizes de divulgação de informações úteis, envolvimento comunitário e proteção aos direitos socioambientais repercutem nas práticas empresariais, que frequentemente impactam direta e significativamente o meio ambiente e a vida das pessoas.

É a partir desse elo, portanto, que sequencialmente articulamos os princípios do Acordo de Escazú com ações, ferramentas e oportunidades das empresas à luz da agenda ASG.

  1. Aspecto Ambiental:

Do ponto de vista empresarial, o Acordo de Escazú traz convergências diretas com o “A” do ASG (Ambiental), especialmente porque amplia a compreensão de que a gestão ambiental responsável é indissociável do direito à informação e da participação pública na tomada de decisões. Isso significa dizer que sua abordagem estrutura-se a partir de duas dimensões fundamentais: geração de dados e a divulgação por meio de vias de comunicação e de acesso pelas partes interessadas.

O artigo 5º do Acordo, por exemplo, que estabelece o direito de acesso à informação ambiental, de forma prática implica na co-responsabilidade de atores públicos e privados sobre a divulgação de informações sobre gerenciamento de riscos climáticos, emissões, licenças e planos de mitigação para redução dos impactos ambientais. Essa diretriz, em outras palavras, converge com práticas empresariais de relato ambiental, como o TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclosures), o CDP (Carbon Disclosure Project) e os padrões GRI (Global Reporting Initiative).

Além disso, partindo do próprio conceito de informação ambiental utilizado pelo Acordo,  entende-se como tal qualquer dado, escrito, visual, sonoro, eletrônico ou registrado em qualquer outro formato, que se relacione ao meio ambiente, aos seus elementos e recursos naturais, incluindo informações sobre riscos ambientais, impactos adversos reais ou potenciais que possam afetar o ambiente e a saúde humana, bem como aquelas vinculadas à proteção, gestão e conservação ambiental.

Essa definição amplia a compreensão do que deve ser considerado informação de interesse público, reafirmando que o acesso a dados ambientais é um direito fundamental e condição para a participação democrática e a accountability socioambiental.

No contexto ASG, isso implica reconhecer que os relatórios de sustentabilidade, os indicadores de emissões, os planos de mitigação e os resultados de auditorias ambientais não são apenas instrumentos de comunicação corporativa, mas dados de interesse coletivo, cuja acessibilidade, clareza e disponibilidade fortalecem a confiança social, reduzem assimetrias de informação e viabilizam a participação qualificada das partes interessadas.

Portanto, o Acordo reforça o dever ético (e, progressivamente, regulatório) das empresas de divulgar informações ambientais relevantes de forma acessível, tempestiva e compreensível. Isso inclui:

Tornar essas informações acessíveis — em linguagem compreensível, formatos digitais abertos e canais de fácil acesso — é uma prática que materializa o direito de acesso à informação previsto no Acordo de Escazú e contribui para uma governança ambiental mais transparente, responsável e inclusiva.

  1. Aspecto Social:

Na América Latina, região que concentra os maiores índices de violência contra defensores ambientais no mundo, o Acordo de Escazú busca assegurar a proteção de quem atua na defesa da terra, da água, das florestas e dos direitos coletivos. Segundo a Global Witness, que documenta os assassinatos e desaparecimentos de defensores da terra e do meio ambiente, o Brasil está entre os países mais perigosos para ativistas socioambientais, registrando casos recorrentes de intimidação, ameaças e mortes, especialmente em áreas de conflito fundiário e de pressão por grandes empreendimentos. Analogamente, segundo estudo da Justiça Global e Terra de Direitos, dos 486 casos de violência mapeados entre 2023 e 2024, 80,9% foram contra quem atua na defesa do meio ambiente (2025). Nesse contexto, o tratado surge como um instrumento primordial para promover segurança e responsabilização.

O princípio da não discriminação e da equidade intergeracional, presente no Acordo, reforça que o desenvolvimento sustentável não pode ocorrer às custas da violação de direitos coletivos, sobretudo de povos indígenas, comunidades quilombolas e populações tradicionais. Essas comunidades são frequentemente as mais afetadas por projetos de infraestrutura, mineração e agronegócio, e ao mesmo tempo, as principais guardiãs da biodiversidade. Portanto, garantir sua participação informada nas decisões que afetam seus territórios é um imperativo ético.

Para o setor empresarial, a dimensão Social impõe novas responsabilidades e oportunidades. Empresas comprometidas com padrões ASG e com a diligência em direitos humanos devem incorporar os princípios do Acordo de Escazú em suas práticas de governança. Isso inclui:

Com base nesses princípios, o setor empresarial contribui para o cumprimento dos objetivos do Acordo de Escazú e para a construção de um ambiente de negócios mais ético, responsável e resiliente. Como destacou a Controladoria-Geral da União (2025), o apoio institucional à ratificação do acordo reflete a urgência de alinhar a atuação pública e privada aos compromissos internacionais de governança ambiental e de defesa dos direitos humanos.

Em última instância, a efetivação do Acordo de Escazú reforça a ideia de que a justiça ambiental é também justiça social. A proteção dos defensores e o respeito aos direitos coletivos não apenas salvaguardam vidas, mas fortalecem a democracia e a sustentabilidade,  pilares indispensáveis para o futuro da América Latina e para a responsabilidade corporativa no século XXI.

  1. Aspecto de Governança:

No âmbito do Acordo de Escazú, a Governança está associada à criação de práticas empresariais transparentes, responsáveis e participativas, que integrem os direitos ambientais e humanos à gestão organizacional. Se o Acordo tem como eixos o acesso à informação, a participação pública e a justiça ambiental, a governança corporativa atua como o elo que traduz esses princípios em ações concretas de integridade, ética e prestação de contas.

No setor empresarial, a governança ambiental e social exige mais do que o cumprimento formal de normas: requer a internalização de valores éticos e a consolidação de mecanismos de controle que assegurem a coerência entre discurso e prática. Assim, fortalecer a governança implica desenvolver políticas e instrumentos que promovam transparência ativa, diálogo multissetorial e mecanismos de escuta e responsabilização.

Um dos elementos centrais dessa estrutura é o canal de denúncias, que se consolida como uma ferramenta essencial para o exercício dos direitos de acesso à justiça e para a proteção de pessoas e comunidades impactadas. Quando bem estruturado, o canal é um valioso instrumento de compliance, tornando-se um meio de garantir voz e segurança a quem identifica riscos, irregularidades ou violações relacionadas a direitos humanos e ambientais. A confidencialidade, a proteção contra retaliações e a resposta tempestiva às denúncias são princípios que fortalecem a credibilidade e a legitimidade das empresas perante seus públicos.

Além disso, boas práticas de governança incluem:

Empresas que integram essas diretrizes em sua governança contribuem para a mitigação de riscos e o fortalecimento de sua reputação, bem como para a consolidação de um ambiente institucional alinhado aos pilares do Acordo de Escazú. Isso reforça o entendimento de que a governança corporativa não se limita ao controle interno, mas é parte de uma responsabilidade compartilhada pela promoção da justiça socioambiental e da democracia.

Atuar com transparência, ouvir as partes afetadas e garantir mecanismos seguros de denúncia e participação, posiciona o setor empresarial como aliado na implementação prática dos princípios de Escazú – traduzindo o compromisso com a integridade em ações que protegem pessoas, comunidades e o meio ambiente.

  1. Considerações finais:

Participar do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente do Instituto Ethos representa uma oportunidade para que as empresas avancem do compromisso formal à ação em relação aos princípios do Acordo de Escazú. O grupo de trabalho constitui um espaço de aprendizado coletivo, troca de boas práticas e construção de soluções colaborativas para desafios socioambientais que ultrapassam fronteiras institucionais.

As organizações participantes têm a possibilidade de refletir sobre suas responsabilidades em torno da transparência, da participação e da proteção de defensores ambientais – pilares do tratado – e traduzi-las em políticas corporativas, processos de devida diligência e estratégias de engajamento social. Para além do cumprimento de obrigações legais, trata-se de fortalecer a ética e reafirmar o papel do setor empresarial na coerência entre valores de integridade, meio ambiente e direitos humanos.

Em vista disso, espera-se que o presente artigo estimule a reflexão sobre decisões e ações no âmbito corporativo, incentivando as empresas a examinarem de que forma a integração dos princípios do Acordo de Escazú pode orientar e fortalecer suas práticas de negócio. Acredita-se que o engajamento do setor empresarial brasileiro nessa agenda – inclusive na defesa pela ratificação do Acordo – pode representar um movimento decisivo para consolidar uma governança democrática do meio ambiente e fortalecer o desenvolvimento sustentável do país.

7. Referências

CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO (Brasil). Programa Empresa Pró-Ética: diretrizes e critérios de avaliação 2025. Brasília: CGU, 2025.

CONSELHO DE TRANSPARÊNCIA, INTEGRIDADE E COMBATE À CORRUPÇÃO (CTICC). CTICC emite documento de manifestação de apoio à ratificação do Acordo de Escazú pelo Congresso Nacional. CGU, 2025.

INSTITUTO ETHOS. Indicadores Ethos de Integridade e Sustentabilidade Empresarial. São Paulo: Instituto Ethos, 2024.

OECD – Organisation for Economic Co-operation and Development. Principles of Corporate Governance 2023. Paris: OECD Publishing, 2023.

ONU – Organização das Nações Unidas. UN Global Compact: Business and Human Rights Navigator. Nova York: United Nations Global Compact, 2022.

CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Guía para la implementación del Acuerdo de Escazú sobre Acceso a la Información, la Participación Pública y el Acceso a la Justicia en Asuntos Ambientales en América Latina y el Caribe. Santiago: CEPAL, 2021.

CEPAL – Desafíos en el marco del Acuerdo de Escazú: gestión de la información sobre biodiversidad en países megadiversos, serie Seminarios y Conferencias, N° 97 (LC/TS.2022/20), Santiago: CEPAL, 2022.

INSTITUTO ETHOS. Integridade socioambiental. São Paulo: Instituto Ethos, 2025.

INSTITUTO ETHOS; INSTITUTO CENTRO DE VIDA (ICV). Canais de denúncias empresariais para proteção de defensores(as) de direitos humanos e ambientais: mapeamento e qualificação. São Paulo: Instituto Ethos; Cuiabá: ICV, 2024. Projeto Defensores(as) Ambientais. Apoio: Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD).

Transparência Internacional – Brasil. Minidicionário de Defensoras e Defensores Ambientais.

TERRA DE DIREITOS; JUSTIÇA GLOBAL. Na linha de frente: violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil 2023-2024. Curitiba, PR: Terra de Direitos; Justiça Global, 2025.


[1] Conforme a definição da ARTIGO 19, defensores ambientais se referem à “pessoa ou grupo de pessoas diretamente ligadas à luta pelo direito à terra, pela preservação ambiental, pelo desenvolvimento sustentável, pela mitigação das mudanças climáticas, e pelos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais”.

[2] Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) realizada em 1992 na cidade do Rio de Janeiro.

[3] Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS) realizada em 2012 na cidade do Rio de Janeiro.

[4]  Frente Parlamentar Ambientalista. Comissão aprova parecer contrário à ratificação do Acordo de Escazú. Disponível em: https://www.frenteambientalista.com/post/retrocesso-comiss%C3%A3o-aprova-parecer-contr%C3%A1rio-%C3%A0-ratifica%C3%A7%C3%A3o-do-acordo-de-escaz%C3%BA