Por que o Brasil, com tantas vantagens comparativas em questões ambientais, vem perdendo a liderança no debate internacional sobre clima?
Por Henrique Lian*
Na reunião da Cúpula das Américas, realizada no início de abril, no Panamá, a presidente Dilma Rousseff encontrou-se com o presidente dos EUA, Barack Obama, para conversar a respeito de diversos assuntos, inclusive sobre clima. No final da conversa, Dilma e Obama anunciaram uma “visita de governo” do Brasil aos EUA em 30 de junho. O que isso significa?
Uma “visita de governo” é diferente de uma visita de Estado. Assim, quem vai a Washington é a chefe do Executivo brasileiro, com menos pompa e uma restrita agenda de assuntos para discussão. Será uma visita de trabalho e um dos temas que irá à mesa é o acordo climático de Paris e como pode ser feita a cooperação entre os dois países em questões de meio ambiente e redução de gases de efeito estufa (GEE).
Entre 2008 e 2010, o Brasil desempenhava um papel de liderança no debate internacional sobre o clima, principalmente porque assumiu voluntariamente uma meta de redução de emissões durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas de 2009 (COP 15), realizada em Copenhague, na Dinamarca, e aprovou, no final de 2010, a Política Nacional de Mudanças do Clima (PNMC).
Já os EUA nem mesmo ratificaram o Protocolo de Kyoto e, no primeiro mandato de Obama, de 2009 a 2012, não conseguiram implementar uma agenda de reformas na direção de uma economia verde, como pretendia o presidente. Entretanto, agora, no segundo mandato de Obama, o país está se antecipando às discussões que se realizarão na COP 21, em Paris, e já colocou na mesa uma meta de redução de 28% de suas emissões em relação às de 2005, para ser realizada até 2025.
A mesma coisa fez a União Europeia, que também se antecipou à COP 21, colocando uma meta ainda mais ambiciosa: 40%, até 2030. Além disso, os 29 países que a compõem integram o Anexo 1 do Protocolo de Kyoto e vêm reduzindo suas emissões há muito tempo, graças ao Programa Europeu das Alterações Climáticas, lançado em 2000.
Por que o Brasil, com tantas vantagens comparativas em questões ambientais (como matriz energética mais limpa e uma das maiores biodiversidades do mundo) perdeu a primazia?
A questão energética no Brasil
Depois de quatro anos de trabalho, foi divulgado no início de 2015, o primeiro Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). Denominado “o IPCC do Brasil”, em alusão ao painel de clima da ONU, o PBMC procurou evidenciar as implicações para o Brasil dos impactos das mudanças climáticas observados pelo IPCC.
Assim, de acordo com o PBMC, algumas regiões brasileiras poderão apresentar intensificação de eventos climáticos extremos, com impactos nas áreas urbanas e rurais, elevação do nível do mar nas regiões costeiras e impactos significativos no agronegócio. Até 2030, o país pode vir a perder 11 milhões de hectares de terras adequadas à agricultura, por conta de alterações climáticas. O potencial de pesca e de produção de alimentos em geral poderá ser reduzido, entre outros impactos socioeconômicos esperados, como o deslocamento de populações do litoral para o interior.
Um item importante nessa agenda é a questão energética. O Brasil foi muito bem-sucedido na redução de suas emissões em decorrência da diminuição do desmatamento, que era a maior causa dos gases de efeito estufa no país. Assim, nossa pirâmide de emissões agora está invertida.
Em 2013, o país emitiu cerca de 1,5 milhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente, o que representou um aumento de 7,8% em relação ao ano anterior e o maior índice registrado desde 2008. O maior emissor na época, e até hoje, é o setor de energia em geral, com 30%, seguido pelo setor agropecuário, com 27%, e pelo setor industrial, com 6%. Essas cifras foram levantadas pelo Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa. Essa iniciativa do Observatório do Clima também apontou que o incremento no uso de energia termoelétrica de fontes fósseis e o aumento no consumo de gasolina e de diesel estão entre os principais responsáveis pela inversão observada.
Está claro, portanto, que esses setores têm de ser objeto de políticas muito claras do governo, sobretudo o energético, pois o Brasil, que ainda tem uma matriz energética bastante favorável em relação ao resto do mundo, está perdendo essa vantagem comparativa.
O papel das empresas
O setor empresarial certamente pode dar uma grande contribuição para que se reduzam significativamente os impactos negativos das mudanças climáticas sobre o planeta. Um exemplo disso é o Fórum Clima – Ação Empresarial sobre Mudanças Climáticas, cuja secretaria executiva é feita pelo Instituto Ethos. A iniciativa surgiu em 2009 e naquele mesmo ano teve um papel muito importante na preparação para a COP 15.
Inicialmente, a posição brasileira, tanto da sociedade quanto das empresas e do governo, era refratária a assumir compromissos voluntários de redução de emissões no encontro de Copenhague, já que o Brasil não fazia parte do Anexo 1 do Protocolo de Kyoto. Então, um grupo de empresas e organizações deu o exemplo: constituiu o Fórum Clima e apresentou ao governo a Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas, por meio da qual as empresas afirmavam que queriam ver o país como protagonista da COP 15 e, em contrapartida, assumiam uma série de compromissos voluntários, dentre os quais o de fazer a mensuração e a redução progressiva de suas emissões de carbono.
Essa foi uma das mensagens da sociedade brasileira que estimularam o governo a infletir a posição que mantinha até então e a ganhar consistência para chegar à COP 15 e se comprometer voluntariamente a reduzir as emissões do país em cerca de 37% até 2025, assumindo o protagonismo em favor de uma transição global para uma economia sustentável.
Entre o ano passado e este ano, o Fórum Clima participou de consulta pública organizada pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) para subsidiar a contribuição nacional que será apresentada pelo Brasil nas discussões do novo acordo climático global, a COP 21, no final deste ano. E neste momento está preparando um novo posicionamento, tornando a incentivar o país a adotar uma posição arrojada, porém pragmática, calculando exatamente o custo da redução de emissões para apresentar com conforto sua posição em Paris.
O grupo de empresas e organizações que atuam no Fórum Clima ratifica seu compromisso com a redução de emissões e pede que o governo brasileiro fortaleça os mecanismos tradicionais disponíveis, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e a Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD, na sigla em inglês), amplie sua atenção às florestas, prevenindo e combatendo o desmatamento, e trabalhe internamente um Plano Nacional de Adaptação que considere as diferentes regiões do país, com sua diversidade de riscos e vulnerabilidades. A mitigação já está posta e é de conhecimento geral que não temos mais tempo para mitigar o suficiente. Portanto, é importante que passemos a nos adaptar às mudanças climáticas.
Ainda neste ano, o Instituto Ethos e o Fórum Clima vão promover dois encontros para discutir essas sugestões: uma conferência de clima e um módulo especial sobre o clima na Conferência Ethos 360°, a ser realizada em 22 e 23 de setembro, em São Paulo.
Com propostas robustas, o Brasil e as empresas que aqui atuam têm condições de novamente liderar as discussões sobre mudanças climáticas e a transição para uma economia sustentável.
* Henrique Lian é diretor executivo de Comunicação, Marketing e Relações Institucionais do Instituto Ethos.