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O combate ao preconceito pode estar no cérebro?

Viés inconsciente, processos cognitivos e neurais... como a ciência pode auxiliar para que tenhamos uma sociedade mais justa?

01/08/2017

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Analisar o preconceito racial sob a ótica dos mistérios do cérebro não é uma novidade. No entanto, os estudos e descobertas que veem sendo realizados expõem cada vez mais um caminho a ser trilhado e uma possibilidade de novos – e melhores – tempos.

Ao identificarmos que de acordo com o mapeamento realizados pelo Instituto Ethos, através do Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas a igualdade racial no ambiente corporativo só será alcançada em 150 anos é preciso lançar mão de possibilidades que ao menos contribuam para que este tempo seja menor.

Pesquisas e técnicas estão sendo implementadas neste sentido e há apontamentos que causam perplexidade. O Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos Estados Unidos realizou um experimento no qual observou que candidatos com nomes comuns, como por exemplo “Antônio” aqui no Brasil, precisavam enviar dez currículos para receber uma resposta de emprego, enquanto nomes étnicos – africanos – como por exemplo Dandara, tinham de mandar 50% mais para ter uma resposta. Isso por causa de algo que a ciência chama de viés inconsciente.

Para nos auxiliar no entendimento desta questão a psicóloga, escritora internacional, vice-presidente e curadora técnica da Sociedade Brasileira de Neurobusiness (Neurobusiness.org), Ines Cozzo, fala sobre os caminhos possíveis para o combate ao preconceito racial.

Afirmar que o preconceito se forma no cérebro se opõe ao conceito de que o mesmo advém de uma questão cultural, status quo da sociedade?
Ines Cozzo: Não, porque tudo que se forma no cérebro vem de um estímulo que vem também da sociedade. Nós não nascemos preconceituosos. Nós nascemos com a capacidade de classificar, por isso, de criar estereótipos. Mas estereotipar é só isso, classificar por semelhanças. O preconceito se refere aos juízos de valor que colocamos nestes estereótipos. Então, por exemplo, temos um estereótipo de cabelos muito secos, crespos, pele escura, lábios carnudos… e o chamamos de raça negra. Atribuir características, principalmente de caráter e de (falta de) competência, de quaisquer tipos à todas as pessoas com este estereótipo é que é preconceito. Em última instância, preconceitos são crenças profundamente arraigadas em nosso cérebro e em nossa mente. Vem da sociedade sim, mas não “se instala” em nós se não for alimentado.

 

“… preconceitos são crenças profundamente arraigadas em nosso cérebro e em nossa mente. Vem da sociedade sim, mas não “se instala” em nós se não for alimentado”.

Há como combater o viés inconsciente a fim de eliminar o preconceito racial?
Ines Cozzo: Não devemos, nem podemos, combater uma condição estrutural e vieses inconscientes são condições estruturais. Eles não são necessariamente “do mal”. Alguns são recursos que nos auxiliam em nosso desenvolvimento. A saúde está em tornar conscientes aqueles que prejudicam as relações e impedem a justiça de prevalecer. Uma definição bastante abrangente e fácil de compreender sobre isso é “O viés inconsciente é um conjunto de estereótipos sociais, sutis e acidentais que todas as pessoas mantêm sobre diferentes grupos de pessoas. É o olhar automático para responder a situações e contextos para os quais você é treinado culturalmente, como uma programação do cérebro”. Nós precisamos dessa capacidade para aprender mais, melhor e de forma rápida. Daí não ser o caso de combater, mas sim de administrar.

Como os processos neurais e cognitivos atuam de forma a tirar conclusões por si próprios baseados em estereótipos?
Ines Cozzo: Esse processo ocorre em 1/20 de segundos! Não há como impedir que este processo aconteça e realize julgamentos. O que podemos é coibir as palavras e ações baseadas nesse julgamento. Basta que eu me pergunte que fatos corroboram com minha percepção. Sem fatos não há motivos para agir de forma preconceituosa. O primeiro passo para conseguir isso é admitir que o preconceito existe e que todo mundo tem, além de falar muito a respeito. O segundo passo é buscar semelhanças o tempo todo. Nosso sistema nervoso se sente seguro em se aproximar de pessoas com as quais reconhece semelhanças. O que nos leva ao próximo passo da solução que é reescrever histórias contadas para crianças onde o diferente é sempre mau, feio, desengonçado, estranho, assustador e por aí vai. Outra forma de solucionar o problema é multiplicar o conceito de que não existem raças, mas apenas uma raça: a raça humana. Retirada a pele, fica impossível discernir essa suposta raça de que tanto se fala.

A primeira regra para as empresas empreenderem em diversidade é a autoavaliação do cenário interno?
Ines Cozzo: Perfeito! A empresa precisa se assumir como não  diversa, para a partir de então buscar ferramentas para reverter a situação.

O Instituto Ethos dispõe dos Indicadores Ethos-CEERT para Promoção de Equidade Racial que auxilia as empresas a identificarem o patamar no qual se encontram. Após esta identificação qual seria o próximo passo para as empresas que pretendem fomentar a diversidade no quadro de funcionários?
Ines Cozzo: Divulgar amplamente e realizar workshops de conscientização. Ninguém consegue levantar a cadeira na qual está sentado. Ou seja, eu não consigo enxergar minhas imperfeições. Apenas na relação o outro pode me contar que isso está acontecendo. Daí a necessidade de ações como oficinas, palestras, workshops, seminários e práticas em grupos de diálogo. Sempre que possível, realizar atividades que diagnostiquem quanto do preconceito já foi eliminado. Existem técnicas bem lúdicas e efetivas que ajudam nisso, sem expor as pessoas a quaisquer tipos de desconfortos. De fato, a maioria, se bem aplicada, é até divertida e aumenta a imunidade do sistema nervoso.

Existem técnicas que podem auxiliar na reversão de conceitos e valores?
Ines Cozzo: Sim. As técnicas que eu conheço e aplico vêm da Filosofia, da Psicologia, da Antropologia, da Sociologia e da Ludicidade.

No caso do Brasil, com uma sociedade hierarquizada e baseada em privilégios, a quebra deste paradigma requer ainda outras estratégias? Inclusive quanto a mulher negra que teria ainda mais enfrentamentos na busca por igualdade?
Ines Cozzo: Até onde eu sei, a boa notícia é que quando mudamos nossa mindset (mentalidade) no sentido de compreender que um estereótipo não implica necessariamente em um conjunto de fatos – que são apenas as crenças de cada indivíduo – mudamos com facilidade nossas concepções. Isso é realmente possível, baseado no que sabemos hoje sobre cérebro, comportamento e aprendizagem. Consequentemente, não importa qual seja o preconceito. Não existem os mais fáceis e os mais difíceis. Existem apenas preconceitos que podem ser mudados com a mesma técnica, com a mesma rapidez e efetividade que quaisquer outros. Que bom que seja assim!

“Até onde eu sei, a boa notícia é que quando mudamos nossa mindset (mentalidade) no sentido de compreender que um estereótipo não implica necessariamente em um conjunto de fatos – que são apenas as crenças de cada indivíduo – mudamos com facilidade nossas concepções”.

Por Rejane Romano, do Instituto Ethos

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