Instituto Ethos assina nota da Rede Justiça Criminal
19/02/2021
O presidente Jair Bolsonaro alterou quatro decretos que flexibilizam o controle sobre armas de fogo no país no último dia 12.
As alterações facilitam o acesso a armas e influenciam no poder de regulamentação do Executivo Federal nesse âmbito.
Leia abaixo a nota pública elaborada pela Rede Justiça Criminal e assinada pelo Ethos em conjunto com mais de 80 organizações:
A Rede Justiça Criminal vem a público manifestar repúdio e máxima preocupação diante dos novos decretos publicados pelo governo federal que multiplicam as quantidades de armas e munição que cada cidadão pode comprar e portar licitamente, ao mesmo tempo que reduzem o controle do Exército e da Polícia Federal na fiscalização do comércio e aptidão para o porte. Além de terem sido publicadas de forma açodada, sem estudo de impacto social ou consulta à sociedade civil, representam um risco à sociedade, uma vez que ampliam o acesso ao armamento que pode ter como destino a ilegalidade.
De acordo com o pacote de alterações publicado no dia 12 de fevereiro de 2021, que altera os decretos nº 9.845, 9.846, 9.847 e 10.030, cada pessoa autorizada, por exemplo, poderá adquirir até seis armas de uso permitido. Integrantes de instituições como as Forças Armadas, Polícias e membros da Magistratura e do Ministério Público poderão adquirir mais duas armas de uso restrito, totalizando a permissão para o uso de oito armas. Permite que atiradores adquiram até 60 armas e caçadores até 30, só sendo exigida autorização do Exército Brasileiro quando superar essa quantidade. A aptidão psicológica exigida para que atiradores e colecionadores tivessem acesso ao armamento e que era antes atestada por laudo de profissional cadastrado pela Polícia
Federal agora poderá ser emitida por qualquer psicólogo com registro no Conselho Regional de Psicologia.
É inaceitável que, sob o pretexto de regulamentar o Estatuto do Desarmamento (Lei
10.826/2003), o governo subverta a vontade do legislador, acrescida de amplo debate público, que criou uma política de controle responsável de armas e munições e estabeleceu o conceito de efetiva necessidade como condição indispensável para a aquisição de arma de fogo.
Mudanças como essas deveriam passar pelo necessário debate nas duas casas do Congresso Nacional. Em junho de 2019, a tentativa do governo de flexibilizar as regras para posse e porte de armas foi paralisada pelo Senado Federal após a aprovação de um Projeto de Decreto Legislativo que sustava a medida do Executivo. Temendo a derrota na Câmara, Bolsonaro recuou e enviou um projeto de lei sobre o tema.
Nesse ponto, destacamos que o relatório final da CPI do Tráfico de Armas (2006) ressalta que as apreensões feitas pela polícia mostram que “A análise inédita de mais de 150 mil armas levou esta Comissão a revelações surpreendentes, e gravíssimas, como a denúncia de que a maioria esmagadora das armas apreendidas com a bandidagem foi originalmente vendida pelas fábricas brasileiras a lojas estabelecidas, e para o próprio Estado, principalmente para suas polícias, e daí foram desviadas para o crime”.
O armamento que agora tem maior facilidade para circular legalmente irá, de acordo com as conclusões da CPI e de outros estudos, alimentar o mercado ilegal e armar as milícias presentes em todo o país. Além disso, no país com maior número absoluto de homicídios do mundo, já sabemos quem pagará a conta: jovens, negros, pobres e de periferia.
Por fim, a priorização de medidas que ampliam o descontrole sobre o porte e comércio de armas no contexto de uma das maiores crises sanitárias já vividas no mundo, em que somente no Brasil já morreram quase 240 mil pessoas até o momento da escrita desta nota, é mais uma evidência de que a morte está na centralidade da política empreendida pela atual gestão do Executivo.
Assinam a nota:
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