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A pecuária sustentável e a importância de um ambiente seguro para investimentos

Pesquisador do Imazon avalia os ganhos com boas práticas

11/12/2018

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Paulo Barreto, pesquisador Sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que participou como palestrante da segunda edição da Conferência Ethos em Belém, no último dia 28 de novembro, no painel “Como conciliar conservação ambiental e produção agropecuária para o desenvolvimento sustentável do Brasil?”, aborda em entrevista a pecuária sustentável e as implicações que refletem na adoção da prática  no Brasil. 

Ethos: Quais são as principais características da pecuária na Amazônia e como durante longos anos a produção esteve associada à ocupação ilegal, ao desmatamento e à violência? 

Paulo Barreto: A pecuária é diversa, mas com predominância de desperdício e baixa produtividade. Nas fazendas de baixa produtividade as condições de trabalho são precárias. A falta de cuidado com o pasto leva a sua degradação e muitas vezes novas áreas são desmatadas para manter a produção. Há outros ainda, que usam a pecuária apenas para mostrar que estão de fato usando terras públicas ocupadas ilegalmente. Nestes casos, além de problemas ambientais do desmatamento, algumas fazendas usam trabalho análogo a escravo. Esse uso da pecuária para ocupar novas fronteiras, com certa frequência, é acompanhado da disputa pela terra o que aumenta muito os índices de homicídios. Um estudo liderado pelo Instituto Osvaldo Cruz mostrou a difusão de altos índices de violência associados a essas fronteiras da pecuária – índices até três vezes maiores do que de cidades muito violentas como o Rio de Janeiro. Produtores modernos, que ainda são a minoria, usam as melhores práticas para aumentar a produção nas áreas já desmatadas. Eles usam tecnologias como pastoreio rotacionado, capacitam os funcionários e respeitam as leis trabalhistas.

Ethos: Como modelos de produção sustentável estão sendo promovidos na Amazônia? Que projetos, parcerias e investimentos têm tornado possível a pecuária sustentável?  

Paulo Barreto: A difusão da produção mais sustentável tem ocorrido por meio de iniciativas individuais e de grupos como sindicatos, associações de produtores em parcerias com consultores privados e com instituições de pesquisa como a Embrapa e universidades, empresas e organizações ambientais. O investimento ocorre com capital próprio, de crédito rural que é subsidiado pelo povo brasileiro e de fundos de investimento. O Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável mapeou mais de 20 iniciativas de pecuária sustentável no Brasil, sendo nove na Amazônia. Acesse o mapa aqui.

Ethos: Aonde estão os mercados que estimulam a pecuária sustentável? Quais mecanismos favorecem maior controle, desempenho dos intermediários e também a informação/educação do consumidor final? 

Paulo Barreto: Uma parte do mercado foi impelido a comprar de fazendas que respeitam algumas regras como não desmatar, não usar trabalho análogo a escravo e estar fora de terras indígenas. Cerca de 70% da capacidade de abate de gado na Amazônia são de frigoríficos que assinaram acordos contra o desmatamento. Porém, eles tentam controlar apenas as fazendas de engorda das quais se compra diretamente o boi. Assim, ainda há mercado para gado ilegal que vem das fazendas que realizam apenas a cria e recria do bezerro e novilho e também para as fazendas de engorda que vendem para os frigoríficos que não assinaram nenhum acordo – ou seja, que representam cerca de 30% da capacidade de abate dos frigoríficos com registros de inspeção estadual e federal. O controle mais efetivo dependeria do mercado nacional (que consome 80% do gado produzido no Brasil) exigir também o rastreamento completo do gado – ou seja, desde o nascimento até o abate. O gado que é exportado para a Europa segue essa metodologia. Outros países como Austrália e Uruguai já adotam o rastreamento completo. Os consumidores nacionais, portanto, têm um papel importante de demandar mais controle. As pesquisas de opinião mostram que os brasileiros valorizam a conservação da floresta. Porém, a população em geral desconhece a ligação da carne com o desmatamento ilegal e não há um jeito simples de identificar a carne de origem legal. Eles não compram carne dos frigoríficos, mas sim dos açougues e supermercados que são os varejistas. Se os consumidores passarem a demandar destes varejistas, eles provavelmente mudariam suas compras.

“…a população em geral desconhece a ligação da carne com o desmatamento ilegal e não há um jeito simples de identificar a carne de origem legal.”

Ethos: Quais são os fatores econômicos que podem influenciar a tomada de decisão do produtor? O que os planos e políticas públicas devem endereçar para uma escalabilidade dos modelos produtivos mais orientados para a preservação, restauração, redução de emissões de gases de efeito estufa e que respeite o modo de vida dos povos da floresta? 

Paulo Barreto: Um fazendeiro que degrada a fazenda talvez não tenha capital para investir na renovação de pastos, pois as receitas vão caindo ao longo do tempo. Além disso, esse fazendeiro tende a duvidar de que a fazenda pode ser bem mais produtiva e ter aversão ao risco de investir muito. Esse não seria um grande problema se fosse mais seguro para outras pessoas, mais capitalizados e com conhecimento, investirem. Porém, a falta de titulação de terras e conflitos fundiários afasta esses investidores. Assim, um ponto crítico para facilitar investimentos seria o governo acelerar a regularização fundiária para quem de fato tem direito a título e coibir a grilagem de terra (que é a ocupação ilegal de terras públicas, como uma espécie de sequestro). Com um ambiente mais favorável ao investimento, o setor privado seria capaz de se organizar, investir e providenciar assistência técnica. Um ambiente seguro para os investimentos também favoreceria a criação de incentivos a conservação por meios de títulos verdes (greenbonds) que são baseados nas expectativas de ganhos ambientais – que, neste caso, envolveria o sequestro de carbono no solo e na floresta que seria plantada em áreas desmatadas ilegalmente. 

“…um ponto crítico para facilitar investimentos seria o governo acelerar a regularização fundiária para quem de fato tem direito a título e coibir a grilagem de terra. Com um ambiente mais favorável ao investimento, o setor privado seria capaz de se organizar, investir e providenciar assistência técnica.”

Ethos: Como o lobby e o cenário político atual do país podem fragilizar ou desestimular o avanço de uma pecuária sustentável na Amazônia? Que estratégias podem ser adotadas para imprimir mais força aos avanços? 

Paulo Barreto: Desde 2012, o lobby para reduzir proteção ambiental ganhou: o congresso e o governo perdoaram parte do desmatamento ilegal, áreas protegidas foram reduzidas e a titulação de terras ocupadas ilegalmente foi facilitada. Como resultado, a taxa de desmatamento em 2018 foi 73% maior do que em 2012, que havia sido a menor taxa desde o início das medições em 1989. Essa facilidade de desmatar e de sequestrar terras públicas ilegalmente desestimula os investimentos no aumento de produtividade. As medidas do poder público e das empresas que ajudaram a reduzir 84% da taxa do desmatamento entre 2005 e 2012 devem ser reforçadas e ampliada. Essas medidas incluem: punir crimes ambientais, proibir crédito rural para desmatadores, criar e manter áreas protegidas. E, as empresas e os governos devem boicotar produtos de áreas ilegais e valorizar os produtores que estão fazendo ou, ao menos, tentando fazer certo. Por exemplo, os municípios com menores taxas de desmatamento poderiam ser priorizados para acelerar a regularização fundiária e ambiental.

“Desde 2012, o lobby para reduzir proteção ambiental ganhou: o congresso e o governo perdoaram parte do desmatamento ilegal, áreas protegidas firam reduzidas e a titulação de terras ocupadas ilegalmente foi facilitada. Como resultado, a taxa de desmatamento em 2018 foi 73% maior do que em 2012, que havia sido a menor taxa desde o início das medições em 1989.”

Ethos: Qual o papel da Coalizão Brasil, Climas, Florestas e Agricultura? Como atuou em 2018 nas condições da disputa eleitoral e como atuará junto ao novo governo executivo e legislativo a partir de 2019? 

Paulo Barreto: O principal papel da Coalizão é promover um desenvolvimento econômico de baixo carbono e, desta maneira, ajudar a evitar as mudanças climáticas. A mudança do clima resultaria em perdas econômicas e sociais severas ao Brasil, como a redução de produção de energia por causa da diminuição das chuvas. Com riscos para a agropecuária por causa de eventos extremos como secas. Em 2018, o grupo promoveu várias discussões e publicou 28 recomendações que foram entregues a candidatos aos parlamentos federal e estaduais e também aos candidatos a chefe do executivo. Além disso, apresentou as recomendações a população geral por meio da imprensa e a diversos grupos por meio de seminários e diálogos. As recomendações incluíram desde medidas para reduzir desmatamento e para aumentar a produção rural sustentável, com menos emissões de gases que causam o aquecimento do planeta. Além disso, a coalizão produziu uma visão de desenvolvimento até 2050 para guiar o engajamento dos novos governantes, da sociedade civil e empresas. Da mesma forma que nos anos anteriores, o grupo atuará de forma independente buscando acordos de diferentes setores.

“A mudança do clima resultaria em perdas econômicas e sociais severas ao Brasil, como a redução de produção de energia por causa da diminuição das chuvas. Com riscos para a agropecuária por causa de eventos extremos como secas.”

Por: Edson Lopes, do Instituto Ethos

Foto: Pexels

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