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O “a·be·cê” do programa Valor em Cadeia

23/01/2018

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Entrevista aborda como empresas foram beneficiadas pela iniciativa

Finalizado em novembro de 2017 o Programa Valor em Cadeia, uma parceria entre o Uniethos e o Banco interamericano de Desenvolvimento (BID) demonstra como desde as empresas de grande porte, às Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPMEs) podem melhorar o desempenho do negócio, o bem-estar dos funcionários e a gestão socialmente responsável.

Carla Stoicov, coordenadora-geral  do projeto, esmiúça as dificuldades e os ganhos às empresas que se permitiram participar desta vivência que, em alguns casos, com pouco investimento, possibilita inúmeros ganhos ao setor privado.

Ethos: Quais as principais dificuldades encontradas para a implementação do projeto?

Carla Stoicov: A principal dificuldade ainda reside em encontrar empresas, sobretudo as de grande porte, interessadas em investir no desenvolvimento da própria cadeia de valor. O caminho mais simples adotado pelas grandes empresas é ser mais exigentes nas regras de contratação, exigindo documentos de forma periódica. No entanto, o que as empresas percebem ao longo do tempo é que só documentação não garante nada e daí muitas vezes partem para certificações ou processos de auditoria. Certificação e auditoria implica em custos para as empresas da cadeia, mas conseguem promover mudanças já que muitas precisam se adequar e isso ocorre por meios de planos de ação.

“… o que as empresas percebem ao longo do tempo é que só documentação não garante nada…”

Ethos: Além do gasto que as empresas da cadeia têm nestes casos, por qual outro motivo este não seria o melhor caminho?

Carla Stoicov: Tais mudanças não são internalizadas no sentido de entender a real importância de adotar boas práticas. Fazem porque a certificação pede. Entre os períodos de auditoria, a prática/controle podem ser “esquecidos”. Algumas grandes empresas relatam que a cada auditoria um novo problema é encontrado, problema este que em alguma auditoria no passado, em teoria, “teria sido resolvido”. Ou seja, o cobertor é curto: ajusta aqui para passar na auditoria e na próxima ajusta outro ponto ali, mas os fatos se repetem. Constatamos isso no projeto por meio dos depoimentos espontâneos das MPMEs. O fato é que normalmente, nestes casos, as empresas não entendem o que está por detrás das exigências. Isso sem falar nas que identificaram incoerências entre o que é exigido pela certificação e a intenção de adotar alguma prática em sustentabilidade. Por exemplo: a certificação não permite garrafas de água individuais ou canecas de porcelana, porém isso impacta no uso excessivo de copos plásticos.

“… o cobertor é curto: ajusta aqui para passar na auditoria e na próxima ajusta outro ponto ali, mas os fatos se repetem”.

Ethos: Em sua avaliação, as empresas ainda têm dificuldades em adotar práticas de responsabilidade social empresarial?

Carla Stoicov: Começa que as MPMEs não sabem quais práticas podem adotar. Percebemos isso com os diagnósticos iniciais que fizemos.

a) Algumas já tinham práticas e não sabiam que poderiam ser consideradas práticas de RSE.

b) Outras entendem que não têm práticas, mas mesmo identificando tal lacuna, não sabem por onde começar. Diferente de grandes empresas, MPMEs não têm recursos financeiros para contratar consultoria e ninguém dedicado ao tema. Muitas funções administrativas e gerenciais estão acumuladas com o próprio dono ou sócios e isso tira todo o tempo para que possa participar de eventos e fóruns temáticos, mesmo gratuitos. Mas um ponto importante é: as MPMEs não são convidadas, não recebem newsletters sobre eventos no tema. Então ficam num círculo vicioso de não saber sobre os eventos, não ir e com isso não ter ideia nem por onde começar. E, quando avisada sobre algum evento, não tem tempo!

c) E, um outro conjunto de empresa resistem em admitir que a falta de práticas em RSE é por uma deficiência, em parte, delas. Adotam um discurso de que isso é para grandes empresas. Percebemos uma grande resistência em admitir que não tinham práticas que poderiam ter. Então por essa síntese dos 3 pontos podemos perceber que a dificuldade está mais no campo subjetivo do que objetivo. Quando levamos conteúdos, exemplos, práticas e promovemos a troca entre as MPMEs, para uma conhecer e entender como a outra tinha implementado alguma prática de RSE, vimos que a falta de recurso financeiro, pessoal dedicado e tempo deixou de ser uma barreira.

Ethos: A gestão ambiental também é um “tabu” sobretudo com as micro, pequenas e médias empresas?

Carla Stoicov: A gestão ambiental, na realidade, é a que tem menos resistência uma vez que boa parte das ações ambientais podem levar a uma redução de custos. Então se for bem trabalhada a questão, a resistência é menor já que o “investimento” se paga. A resistência maior, ou tabu, está ligada às questões sociais. Uma é com relação à legislação e leis trabalhistas. Há uma leitura de que elas são irreais para empresas do porte delas, que por outro lado tem uso intensivo de mão de obra e, portanto, não conseguem virar a mesa incluindo mais tecnologia e maquinário. Mas, uma vez trabalhado esse ponto, quanto a importância de se adequar à legislação, vemos a barreira cultural de realizar uma gestão mais participativa. MPMEs normalmente são empresas familiares onde todas as decisões passam pelo dono/proprietário. Há uma percepção de que os funcionários estão “querendo tirar proveito” e não têm a devida competência ou interesse para assumir tarefas/atividades que hoje estão só com os donos. A metodologia de trabalho do projeto estimulou que os momentos de “lição de casa” deles fossem feitos de forma participativa com os funcionários. Muitos, já nos primeiros encontros, relataram que se surpreenderam com a receptividade dos funcionários, com o nível de maturidade e qualidade das informações levantadas. Então poderia ressaltar que o tabu está mais em “como e porquê” fazer, do que no “o que fazer”.

Ethos: Quais os próximos passos para as empresas que participaram da aplicação do Valor em Cadeia?

Carla Stoicov: Com a aproximação do término do projeto, no final de novembro/2017, as MPMEs já se mostravam saudosas pedindo uma continuidade do projeto, o que não é possível dentro do contexto da parceria Uniethos e BID. O BID financia apenas projetos inovadores (em sua primeira edição) por entender que metodologias e aprendizados do projeto estão aí, disponíveis para quem quiser dar continuidade. Quanto as MPMEs, podemos dizer, que seguem por conta própria. Por outro lado, todo o trabalho do projeto foi o de incutir um novo jeito de pensar, levando ferramentas que são grátis e de fácil uso justamente para que possam adotar e refinar seu uso, independente do projeto. Sabemos que algumas assumiram uma trajetória de mudança positiva que não tem mais volta. Enquanto outras sentaram no banco de passageiro do projeto. Ficaram à espera da mudança sem que procurassem mudar. Reclamavam da empresa líder sem perceber que também tinham uma tarefa evolutiva a ser implementada em sua organização. Mas, isso é algo que ocorre no movimento da RSE e sustentabilidade. Quem quer fazer compra a ideia, vê valor e entende que não dá mais para seguir sem colocar essa pauta no radar, não para nunca mais. Para quem não quer fazer não faltarão motivos, contexto de país, cenário setorial, que impeçam a mudança. O projeto foi desenhado para as que querem mudar e compram a ideia, visto que não se propunha a auditar, certificar e nem adotar planos de ação padronizados/únicos para todas as empresas. Cada uma teve liberdade de escolher o que queria fazer dentro do universo de possibilidades e necessidades que descobriram em si.

“Quem quer fazer compra a ideia, vê valor e entende que não dá mais para seguir sem colocar essa pauta no radar…”

Ethos: Em suma, o desdobramento de boas práticas para a cadeia de valor pode beneficiar as empresas em quais principais aspectos?

Carla Stoicov: As áreas de suprimentos das empresas líderes relatam, por meio da percepção, que o comprometimento das MPMEs da sua cadeia aumentou. O outro ponto é que estamos aumentando a competitividade das MPMEs, melhorando suas práticas, aumentando a compreensão da importância de algumas medidas de RSE e isso leva a uma diminuição de riscos socioambientais e até legais na cadeia de valor das empresas líderes. O projeto também entregou para as empresas líderes um diagnóstico (o diagnóstico inicial) que, de forma amostral já que pegamos uma parcela das MPMEs de sua cadeia, um diagnóstico de como está toda a sua cadeia (que esteja dentro das características dessa amostra). Isso permite que elas pensem em outros tipos de ação, muitas vezes mais simples e pontuais, mas que já representariam um grande avanço na relação e desenvolvimento de sua cadeia de valor.

“…estamos aumentando a competitividade das MPMEs, melhorando suas práticas, aumentando a compreensão da importância de algumas medidas de RSE e isso leva a uma diminuição de riscos socioambientais e até legais na cadeia de valor das empresas líderes”.

Ethos: Quais seriam as principais ações?

Carla Stoicov: O projeto sinalizou 3 medidas que seriam bem-vindas:

  1. Estimular o autodiagnostico da gestão sustentável em sua cadeia. Sinalizamos que os Indicadores Ethos seriam uma possível ferramenta, pois aborda questões que as MPMEs nunca se preocuparam e estimulam à prática;
  2. Promover encontros de compartilhamento de experiências entre as empresas da cadeia de valor, levando conteúdos temáticos para continuar o caminho do desenvolvimento e que podem estar alinhados às necessidades das grandes empresas. Por exemplo, se a empresa líder realiza um inventário de emissões e tem metas de redução pode apresentar casos e exemplos de como as MPMEs poderiam apoiá-la em mudanças práticas ambientais em seus processos e/ou insumos;
  3. Dar luz às boas práticas em RSE que a sua cadeia já tem. Hoje temos muitos prêmios e eventos voltados às grandes empresas, mas poucos são voltados para as MPMEs. Há uma carência de casos e relatos de práticas de RSE e sustentabilidade em MPMEs. As MPMEs não costumam ter site e não fazem relatório de sustentabilidade, mas há muita prática ali que já pode ser relatada

De fato, há muitas práticas, cases e vivências que devem ser divulgados. Clique no nome da empresa (A.S Ambiental, Marry Malharia, Texas Jeans) e acompanhe os relatos das que já alcançaram mudanças devido a participação no Programa Valor em Cadeia.

 

Por Rejane Romano, do Instituto Ethos

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