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O que é necessário para o aprimoramento do advocacy no Brasil

Para o aperfeiçoamento desse instrumento social é fundamental investir na democratização do conhecimento e compartilhamento de experiências para a sociedade civil organizada avançar nas habilidades de advocacy.

11/12/2021

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No ano de 1998, um pesquisador da Anistia Internacional chamado Brian Wood desenvolveu uma ideia para fazer com que países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) se comprometessem formalmente com a regulação da compra e venda de armas no mundo. Um grande desafio, uma vez que a organização não pode “obrigar” uma nação a assinar algum tratado. Por isso, é necessário um trabalho de convencimento, o que não é tarefa fácil, principalmente se tratando da política de armamento.

O pesquisador pensou, então, em desenvolver uma campanha. A Anistia descobriu que o comércio internacional de bananas era mais difícil do que o de armas. Logo, a ação ganhou um slogan: “o comércio de bananas é mais regulado do que o de armas”. Assim, o advocacy da organização uniu forças com o departamento de comunicação e, com a campanha das “bananas”, conseguiu o apoio de muitas personalidades e países. O caso é considerado um sucesso no âmbito da incidência política. O Tratado de Comércio de Armas entrou em vigor em dezembro de 2014.

Há tempos o termo advocacy está cada dia mais presente no vocabulário brasileiro. A palavra deriva do latim, de advocatus, e o seu significado refere-se a: chamar junto a si, aproximar, ter perto, apelar para. Advocacy é considerado sinônimo de incidência política, uma prática de articulação e pressão adotada, sobretudo pela sociedade civil, em processos de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas e na aprovação de leis, buscando aprimorá-las de acordo com as demandas da sociedade.

Sobre esse assunto, as organizações Conectas e Missão Paz, com apoio da Laudes Foundation e produção da Entremeios, lançaram recentemente a publicação Advocacy na prática: caminhos e aprendizados ao fazer incidência política. O material surgiu a partir da experiência dessas organizações na área de direitos humanos, migração e refúgio, especialmente no processo que resultou na Lei de Migração Brasileira, aprovada em 2017 pelo Congresso Nacional.

“A atividade de advocacy é complexa e árdua. Contar com um material prático e didático, focado na experiência de quem desenvolve incidência política, pode contribuir para organizações de diferentes setores da sociedade”, explica Camila Asano, diretora de programas da Conectas.

Um campo em desenvolvimento

“O terceiro setor tem percebido cada vez mais a necessidade de aproximação e incidência junto ao poder público e tem realizado mais ações, e várias delas exitosas, visando mudanças estruturais e o enfrentamento a ameaças de retrocessos no campo dos direitos humanos. Mas esse movimento ainda não chegou ao ápice de seu potencial”, é o que enxerga Andresa Porto, diretora da Pulso Público, que executa a secretaria executiva da Rede Advocacy Colaborativo (RAC).

“Há organizações com atuação histórica junto ao poder público, seja em nível nacional, estadual ou até mesmo em ações de base nos municípios, mas ainda é possível avançar na aplicação de metodologia e boas práticas para as ações de advocacy”, afirma Andressa.

Na Constituição Federal de 1988, o exercício das ações de incidência política é assegurado como um direito à sociedade brasileira. Conforme a publicação, considerando que o ato de fortalecer a democracia no país faz-se cada vez mais necessário, a atuação de organizações da sociedade civil no campo do advocacy também precisa ser fortalecida.

“Afinal, quanto mais as políticas públicas forem feitas com a participação de quem de fato vivencia e compreende determinada situação, mais as chances de se produzirem políticas que atendam às necessidades reais da população”, destaca o livro.

Incidência virtual

Andresa lembra um caso de movimentação das organizações da sociedade civil que a marcou: a Medida Provisória (MP) 910 sobre regularização fundiária, apelidada pelos ambientalistas como MP da Grilagem. Essa medida  foi editada pela Presidência da República e a vigência no Congresso Nacional acabou por não ter sido analisada dentro do prazo previsto na medida provisória.

“E isso aconteceu graças a uma grande movimentação de organizações ambientalistas que, por conta da pandemia, não podiam estar presencialmente no Congresso Nacional, mas fizeram uma ação coordenada de cyber advocacy. É uma incidência virtual, visando contato e pressão junto aos parlamentares para evitar que essa medida provisória fosse aprovada”, explica Andressa.

A MP não chegou a ser rejeitada, mas perdeu a sua vigência. Com isso, foi apresentado um projeto de lei que está em tramitação, de forma mais lenta no Congresso Nacional. “Foi possível perceber que a ação das organizações impediu que a medida provisória avançasse”, aponta.

Orientações para o cotidiano

A publicação da Conectas e Missão da Paz é um desdobramento do livro Estrangeiro, nunca mais! Migrante como sujeito de direito e a importância do advocacy pela nova Lei de Migração Brasileira, de Ebenézer Oliveira e Cyntia Sampaio. Confira, abaixo, oito dicas para praticar ações de incidência:

  1. Definição de objetivos: determinar onde se deseja chegar e, principalmente, onde se pode chegar ao incidir no desenho de uma política pública/projeto de lei é fundamental para que se viabilize um trabalho de qualidade
  2. Análise de contexto: analisar o contexto da causa que se pretende trabalhar é, ao mesmo tempo, uma necessidade e uma habilidade que precisa ser permanentemente desenvolvida
  3. Produção de conhecimento: fazer advocacy é um processo que precisa estar subsidiado em informações técnicas, consistentes e baseadas em evidências
  4. Mapeamento de interlocutoras/es e espaços de participação: analisar e estudar cada interlocução, bem como suas relações, colabora para fazer a incidência de maneira mais objetiva e eficiente
  5. Parceria e engajamento: construir pactos, redes e coalizões, ainda que informais, são aspectos que fortalecem o trabalho de articulação e geram mais força do que apenas contar com a parceria orgânica entre organizações
  6. Estrutura e posicionamento institucional: dispor de tempo e ter paciência para compreender o funcionamento da burocracia estatal, formação da equipe interna, mecanismos de transparência bem estabelecidos e acesso a financiadores são cuidados importantes para uma boa atuação
  7. Comunicação e mobilização: dialogar com a imprensa, produzir e publicar narrativas e produtos de comunicação, de maneira objetiva e direta, visando estabelecer ou fortalecer novos pontos de vista sobre o tema, é mais que necessário
  8. Negociação: saber comunicar, saber ouvir, saber priorizar e saber ceder. Fazer advocacy exige um processo organizado e planejado e demanda flexibilidade e abertura a cada etapa do trabalho.

 

Por: Gife

Foto: Unsplash

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