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COP26: resultados, encaminhamentos e perspectivas

Aprendizados e caminhos pós Conferência das Partes 2021

O Instituto Ethos retorna da COP26, ocorrida em Glasgow, na Escócia, em novembro de 2021, com a certeza do engajamento da sociedade civil, dos governos subnacionais e do setor empresarial em se tornarem protagonistas na agenda de combate à emergência climática.

Em termos de Brasil, foi a maior delegação que já se observou frequentar o evento, contamos com a participação em peso das populações indígenas no Brasil, com expressiva participação da juventude, do movimento negro, da administração pública subnacional de Estados e municípios, além de contar com uma grande participação de parlamentares e senadores. Esta miscelânea de atores esteve em direto diálogo no pavilhão do Brazil Climate Action Hub, explorando, justamente, o potencial articulador e transformador dos diálogos multissetoriais. De fato, observou-se dois Brasis na COP, não somente pelo fato de contarmos com dois pavilhões brasileiros, um articulado pelo governo federal e o segundo, o Brazil Hub, articulado pelos diversos atores que compõem a sociedade brasileira, mas, especialmente, pela diferença narrativa que cada espaço articulou.

O posicionamento brasileiro na negociação internacional se estabelece de maneira complexa desde 2019, com o aumento progressivo das taxas de desmatamento e mudança do uso do solo, somados à falta de transparência na distribuição dos recursos para comando e controle e a falta de confiabilidade na implementação de recursos e políticas públicas adequadas. Muito pelo contrário, o atual governo, atua no incentivo a práticas criminosas através do afrouxamento da legislação ambiental (vide as tramitações do PL 3729/04, sobre o Licenciamento Ambiental, e o PL 2633/20, sobre a Regularização Fundiária), como exemplo o garimpo e a ocupação de terras não-destinadas, que representam não apenas a escalada de crimes ambientais, mas também atua na desqualificação de determinadas operações econômicas, como a mineração e a agricultura.

Em COPs anteriores observamos o condicionamento da proteção da floresta amazônica à doação de recursos internacionais, e em 2021 não foi diferente, mas com o adendo de que não há mais confiabilidade internacional na política e gestão ambiental brasileiras, pela falta de transparência de dados e pela ausência de planos de implementação. A começar pela omissão dos dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) atrelados ao Ministério da Ciência e Tecnologia, dados estes disponíveis desde final de outubro, antecedendo a COP, e divulgados pela administração federal apenas uma semana após o fim do evento. A omissão destes dados faz sentido, uma vez que Joaquim Leite opta por mentir dados de reflorestamento e de redução de gases de efeito estufa, ocultando os 13 mil km2 de desmatamento no ano de 2020/21, maior índice desde 2006 e o terceiro ano consecutivo de aumento crescente. Além de submeter em 2021, uma NDC ainda sem transparência nas emissões setoriais e indicação de caminhos para a descabonização da economia brasileira.

A COP26 apresentou dois principais objetivos a serem endereçados: o “Keep 1,5ºC alive” e o “Coal, Cars, Cash and Trees”, indicando, com isso, algumas temáticas caras à agenda de clima. A primeira, relativa ao principal assunto, o aumento progressivo de ambição climática para a manutenção do 1,5ºC até 2030. Debatia-se na ciência climática qual seria o limite possível de aumento médio da temperatura terrestre planetária que trouxesse o menor impacto à vida das populações humanas possível, por algum tempo estimou-se que este limite seria o equivalente a 2ºC, porém, com os atuais índices apontados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), concluiu-se que o nível limite que traria o menor dos impactos à vida humana, é o de 1,5ºC. Neste sentido, a meta se torna mais ambiciosa e se torna dependente de submissões constantes de NDCs que, juntas, mantenham o aumento de temperatura em até 1,5ºC. Esta temática foi um dos principais pontos de negociação, até mesmo pré-COP, com visitas de Alok Sharma (Presidente de negociações da COP26) a diversos países para estimular a submissão ou a ressubmissão de metas e caminhos de implementação condizentes a 1,5ºC, e não mais 2ºC.

Desde abril de 2021, com a Leaders’ Summit, promovida por Joe Biden, desenhou-se um movimento global pela submissão de NDCs mais ambiciosas. Países como o próprio Estados Unidos e China apresentaram NDCs condizentes com objetivos Net Zero até 2030, acompanhado de detalhamentos setoriais e estratégias de implementação de longo prazo. A movimentação apresentada em Glasgow, hoje, apresenta que 90% do gap de emissões está coberto por políticas Net Zero. Segundo o sexto relatório do IPCC demonstrava que nos encontrávamos na rota de aumento da temperatura em 2,7ºC até o final do século. Com estas metas e estratégias, conseguiremos reduzir em 0,9ºC o aumento de temperatura, resultando em 1,8ºC em cenários mais otimistas, como afirmam o Climate Action Tracker e o Carbon Brief, não é o apontado pelo Acordo de Paris, mas já um cenário mais interessante e que pode, e deve, continuar sua escalada de aumento de ambição nas COPs subsequentes.

No gráfico acima, disponibilizado pelo Climate Action Tracker observamos o gap de emissões climáticas que devem ser assumidas como responsabilidade (accountable for) pelos países emissores a fim de manter o aumento da temperatura terrestre em 1,5ºC. Observa-se um aumento de responsabilidade e ambição climática pelos países destacados com a linha verde, e percebe-se o Brasil reduzindo sua ambição e, com isso, aumentando o gap de emissões. Diferentemente do caminho internacional, o Brasil apresentou em 2020 uma NDC menos ambiciosa do que a anterior, de 2016, popularizada por se configurar uma “pedalada climática”, com mudança no cálculo base e, portanto, legalizando emissões antes proibidas. “We must keep the goal of 1.5 degrees Celsius warming alive. This requires greater action on mitigation and immediate concrete steps to reduce global emissions by 45 per cent by 2030” (“Devemos manter viva a meta de aquecimento de 1,5 graus Celsius. Isso requer maior ação na mitigação e medidas concretas imediatas para reduzir as emissões globais em 45% até 2030” – em tradução livre), afirmou António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em sua conta do Twitter.

Esta discussão levou o Instituto Ethos a promover, em parceria com as empresas associadas, o posicionamento “Propostas e Recomendações Empresariais para a NDC brasileira” a fim de indicar metas e compromissos empresariais para com a agenda de enfrentamento à crise climática, bem como endereçar recomendações às administrações públicas para que o Brasil possa retornar a um cenário de protagonismo internacional e caminhar em consonância às demais potências globais. Apesar da correção no percentual de aumento de ambição na NDC brasileira apresentado por Joaquim Leite no início da COP, passando de 43% de redução até 2030 para 50%, continuamos aquém dos objetivos apresentados em 2016. Segundo especialistas do Instituto Talanoa, para que de fato corrigisse a “pedalada climática”, o Ministério do Meio Ambiente deveria indicar uma correção de 51% a 54%.

Neste segundo gráfico, também disponibilizado pela Climate Action Tracker, observamos que, de acordo com argumentação colocada acima, fechamos o gap de ambição climática para 1,5ºC, em 90% ou seja 0,9ºC, saindo do cenário de aumento em 2,7ºC e caminhando para o cenário otimista de 1,8ºC, caso a implementação das metas apresentadas seja condizente. Assim, não podemos ignorar a possibilidade de aumento em um número próximo a 3ºC.

A COP26 ficará marcada também pela finalização do livro de regras do Acordo de Paris. Os principais pontos acordados são de novas regras de relatórios de emissões de GEE, definição de algumas cláusulas chave e polêmicas acerca da regulamentação do Artigo 6º, a respeito de mercados de carbono. Ou seja, isto faz com que todos os países sejam obrigados a relatar e detalhar, até 2024, as emissões que formam a linha de base a partir da qual as futuras reduções poderão ser avaliadas. Movimento este a impedir alteração nos inventários de cálculo base e, consequentemente, evitar situações de “pedalada climática” como apresentado pelo Brasil em 2020 e 2021. Sobre os mercados de carbono, o texto fechou algumas de suas brechas mais escandalosas, como a não contabilização dupla dos créditos de carbono, ou seja, países que venderem excedentes não poderão utilizar este valor para compensação de emissões domésticas.

Também foi decidido na COP26 que todos os principais emissores – e cada um deles – serão obrigados a, em 12 meses, explicar na ONU, ou seja, na COP27, como as suas políticas e planos para o total de suas economias estão alinhados com os objetivos de teto para o aquecimento global do Acordo de Paris. De maneira que são esperadas não mais apenas metas de ação, mas comprovação de implementação vinculada a políticas públicas e demonstração de casos. Desta maneira percebe-se uma mudança norteadora das discussões apresentadas nas COPs, como afirma Naoyuki Yamagishi, diretor climático do WWF Japão: “Não é mais sobre decisões formais, mas estamos em um ponto do Acordo de Paris que saímos do estabelecimento de regras e caminhamos para a implementação”. Os próximos 18 meses serão então cruciais para determinarmos se os países tomarão medidas alinhadas ao teto de aquecimento global de 1,5ºC, o que implica reduzir as emissões em 45% até 2030. Espera-se, portanto, que todos os países aumentem as metas climáticas de acordo com 1,5ºC até 2022.

Sobre o segundo lema, “Coal, Cars, Cash and Trees”, observamos respectivamente uma sequência de determinações na negociação endereçando os pontos. Sobre “coal” (carvão), talvez o grande protagonista da negociação em Glasgow, aparece pela primeira vez um acordo climático que faça menção a ambições relacionadas à redução de seu uso. Apesar da polêmica envolvendo a temática e a negociação, com a troca de última hora do texto final, pela aliança entre China e Índia, principais emissores de gases decorrentes da combustão do carvão, de “eliminação gradual” para “redução gradual” (“phase out” para “phase down”). O avanço continua sendo compreendido como um sucesso por endereçar ineditamente a contribuição do setor de maneira direta. O segundo tópico “cars” (carros), de maneira similar ao carvão, endereça a redução gradual da utilização de combustíveis fósseis para veículos automotivos, incentivando biocombustíveis e uso crescente de energia elétrica renovável.

Sobre os dois últimos temas “cash and trees”, observamos, no primeiro, um grande protagonista das discussões e frustrações com relação ao resultado final. O aumento do financiamento climático e o apoio a países em posição de desenvolvimento frustrou grande parte dos países emergentes e movimentos sociais devido a recusa da União Europeia e dos Estados Unidos em criar um fundo a ser usado pelos países mais pobres para o enfrentamento da crise climática. Espera-se que, para 2025, os países desenvolvidos dupliquem seus fundos coletivos para adaptação à mudança do clima, visto que, atualmente, apenas cerca de um quarto do financiamento climático vai para a adaptação, sendo que a maioria dos recursos ainda é empregada na mitigação dos efeitos da crise do clima. Esperava-se a destinação deste montante de capital para políticas de financiamento de perdas e danos, de acordo com a Christian Aid estima-se que até 10% do PIB por ano em adaptação à mudança do clima, enquanto os impactos poderiam atingir 20% do PIB das nações pobres até 2050. Assim, acentua-se a desigualdade climática de acordo com a vulnerabilidade apresentada por países mais suscetíveis aos efeitos da mudança do clima. Somado ao fato de que a pandemia colocou na zona da pobreza muitos países em desenvolvimento, o que resulta em menos condições para investimentos, até mesmo, para mitigação, quem dirá a adaptação, setor que já recebe menor parcela de investimentos e que é chave para a transição para uma economia de baixo carbono.

Por último, sobre o tópico de árvores, ressalta-se o papel central da manutenção ecossistêmica e prestação de serviços ambientais realizados por contínuos florestais. Ao analisar a NDC brasileira, observa-se a importância desempenhada pelas florestas no equilíbrio do clima e a centralidade que o controle do setor de mudança do uso do solo exerce na política ambiental brasileira. Dados do INPE, existentes desde antes do início da COP26, mas disponibilizados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) apenas após o evento, afirmam o aumento em 13.235 km2, equivalente à 22% em relação aos 12 meses anteriores (10.851 km2 entre agosto de 2019 e julho de 2020), significando a maior taxa anual de desmatamento desde 2006, quando somaram-se 14.286 km2 de vegetação desmatada. Em 2020/21, o Pará puxou os índices de desmatamento e, consequentemente, foi o estado mais emissor de GEE no período. Emissões por setor e por estado podem ser observados no levantamento do SEEG, exemplificados abaixo:

Assim, compreende-se a correlação entre emissões e desmatamento, ponto ressaltado na COP e endereçado a partir de indicações de redução de taxas de desmatamento, buscando o desmatamento ilegal zero até 2030.

Portanto, se uma conclusão é possível, é que temos percursos longos a percorrer e em pouco tempo, tendo em vista que a janela de oportunidade de adaptação se fecha com rapidez. A respeito da negociação, ocorrida em Glasgow, podemos afirmar que avançamos em todos os pontos principais, mas não na velocidade e da maneira esperada pelos ativistas climáticos, como afirmou Natalie Unterstell diretora-executiva do Instituto Talanoa, em entrevista ao ClimaInfo: “um copo meio cheio e meio vazio”. A negociação resultou no chamado Pacto Climático de Glasgow (Glasgow Climate Pact), requisitando que os países revisitem suas ambições e as alinhem com o objetivo de 1,5ºC já para a próxima submissão em 2022. É um chamado para a redução gradual (phase down) do uso de carvão, um ponto inédito, para a responsabilidade coletiva nos termos do financiamento climático para perdas e danos a países em situação de vulnerabilidade climática e, no mais, é marcado pela mudança na linguagem dos acordos, sendo mais incisiva e direta em seus objetivos, como afirma o Carbon Brief.

Espera-se, então, para o futuro próximo, uma determinação precisa dos marcos temporais dos quais originam-se os dados para o cálculo de emissões, incentiva-se o uso de um cronograma comum para as NDCs a partir de 2025 (com os países apresentando NDCs para 2035 em 2025, NDCs para 2040 em 2030, e assim por diante). Espera-se a submissão de NDCs condizentes ao caminho de descarbonização de 1,5ºC e a apresentação dos meandros de implementação factíveis e de acordo com as realidades nacionais a fim de demonstrar comprometimento e transparência durante o processo. Pontos ainda não solucionados e com grande expectativa para 2022 são referentes tanto às discussões sobre financiamento climático com maior ênfase na COP27, no Egito, quanto às discussões acerca do Artigo 6º sobre o estabelecimento de mercados regulados de carbono.

Também é importante ressaltar que um dos destaques da Conferência das Partes foi a extensa participação da sociedade além dos negociadores formais. A sociodiversidade teve grande impacto em mobilizar temáticas e pressionar por um resultado coerente aos impactos da mudança do clima, estimulando o debate de assuntos-chave como o financiamento climático contra perdas e danos e justiça e litigância climática, trazendo múltiplas perspectivas da extensão do impacto da crise climática.

O principal resultado da COP26 foi a aprovação e adoção do Glasgow Climate Pact, com definições de cunho político na direção de respostas climáticas mais ambiciosas. O texto demanda que os países revisem e reforcem suas metas climáticas até o fim de 2022, alinhadas com o objetivo da demonstração da implementação. O acordo chama todes para uma redução gradual no uso de carvão para obtenção de energia elétrica, além de alinhar processos visando esforços globais comuns em adaptação e maiores níveis de financiamento climático envolvendo perdas e danos. No mais, o Glasgow Climate Pact marca uma virada no uso linguístico do texto final, mais assertivo e direto, o que resultou em maior número de países dispostos a sua assinatura.

 

Por: Marina Esteves, analista de Projetos em Meio Ambiente do Instituto Ethos

Foto: Unsplash

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