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"E daí?"

Vivemos uma tragédia política

O sistema democrático, ao fundar-se na alternância de poder e no plebiscito, tolera líderes populistas e autoritários. No Brasil, o autoritarismo está em alta e a pandemia tem se tornado uma oportunidade para conhecermos como ele opera.

Conhecíamos versões negacionistas da experiência histórica da ditadura brasileira, que perdurou por 21 anos, não sem algum apoio de parte da população civil e do setor empresarial. Também conhecíamos a versão negacionista das crises climáticas. E, embora todo o esforço para ludibriar e desmoralizar o jornalismo coerente, ético e investigativo, este continuou cumprindo seu papel trazendo informação mesmo para quem não quer se informar. A pandemia da Covid-19 também já foi motivo de negacionismo entre líderes autoritários que se fazem presentes nas modernas democracias ocidentais.

No Brasil, a realidade se impõe e a pandemia ainda mobiliza desinformação e falta de transparência. Além da própria incapacidade do governo federal de ter se preparado para gerar informação epidemiológica mais rápida, coerente, integrada e menos desigual, há inúmeras versões e casos de enfrentamento ao redor do mudo que poderiam servir de lição para abreviar as respostas técnicas e políticas.

Nesse momento, no Brasil, as ferramentas de transparência, os meios de comunicação, e a atitude investigativa são fundamentais para dar conhecimento sobre a doença, mas também sobre a violação dos direitos básicos decorrentes das situações de exceção a que fomos colocados. Negar, omitir e alterar os fatos é agredir a liberdade.

Inspirado pela obra do historiador Timothy Snider e seu opósculo, Sobre a Tirania ― Vinte lições tiradas do século XX, reconhecemos que a luta pela verdade está sempre no campo de enfrentamento da política. Bolsonaro não é o único e nem está isolado, mas precisamos aprender e reconhecer quando nossa ordem política está sob ameaça.

Quando se trata da democracia, tal como no caso da pandemia, podemos nos valer de inúmeros exemplos históricos para nos proteger. A história da democracia moderna conheceu seus momentos de declínio, descambando para o autoritarismo, fascismo e para tiranias, mas a vantagem é que a história sempre serve para nos advertir.

A falta de transparência, a manifesta intenção do executivo de intervir em instituições independentes e de enfraquecer o equilíbrio dos poderes consolida: instabilidades, a violação das leis em nome do benefício privado e o ambiente de desinformação. Esse é um governo que faz isso deliberadamente e concretiza sua forma de governar, tirando proveito do que está confuso, da poeira levantada circunstancialmente em um canto e que rouba a atenção de todos os olhares.

Não temos um problema do conhecimento objetivo da situação da pandemia, como não temos um problema do conhecimento objetivo do desmatamento ilegal, ou da pobreza extrema, temos um problema com uma autoridade que interpreta mal e que dificulta a situação para que os outros entendam ainda menos.

Bolsonaro e sua equipe sabem lidar com a desinformação. Por isso, sem nenhum constrangimento ele(s) podem  pronunciar um: “e daí?” E daí que sejam mulheres, homens, pobres, negras, velhos, índios, pessoas sob custodia, trans? E daí que seja eu ou você? E daí que sejam pessoas morrendo? Quem se importa com cadáveres? Vivemos uma tragédia política!

Os Estudos Sobre a Personalidade Autoritária, do Grupo de Estudos Sobre Opinião Pública, de Berkeley, na década de 1940, e as pesquisas de Stanley Milgram, da década de 1960, ambos realizados em uma sociedade democrática, mostram que os cidadãos comuns são receptivos a causar sofrimento se forem instruídos por uma autoridade ou são suscetíveis a propaganda autoritária e não raro aderem aos meios mais desiguais.

As lideranças autoritárias sabem disso e sabem tirar proveito da confusão e do cansaço.

O ambiente cultural importa. Se você puder, chacoalhe a poeira, aprenda com a história e com os exemplos. Reflita, investigue, sem acessar diferentes informações, diferentes versões e sem diálogo, não existe liberdade. Nessa condição, em que todos na sociedade podem se colocar é que nos tornamos preparados para entender o que é a democracia.

Não podemos tolerar o “E daí?” enunciado por Jair Bolsonaro. Uma sociedade que tolera esse discurso e não controla esse poder, assume o risco de ele pode fazer qualquer coisa. Precisamos enlutar todos os nossos mortos e afirmar que toda a vida importa.

Por: Edson Lopes, gerente-executivo de Eventos do Instituto Ethos

Foto: Pexels

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