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A COP28 avança em relação a uma economia de baixo carbono e mantém direitos humanos e territoriais na margem

Ambição inédita endereça transição energética, mas impactos sociais permanecem longe do centro das discussões

Avaliação geral

Envolta em expectativas de diferentes atores da sociedade, a COP28, e sua presidência, teve que lidar com pressões de diferentes setores e um misto entre ambição e manutenção do “business as usual”. Marcada pela discussão sobre combustíveis fósseis, antes mesmo de seu início, a presidência de Sultan Ahmed Al Jaber foi questionada pelo duplo chapéu exercido pelo mesmo: CEO da empresa estatal Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC) e enviado especial dos Emirados Árabes Unidos (EAU) para mudança do clima. O conflito de interesses personificado na figura do Sultan Al Jaber poderia significar uma maior pressão do setor de óleo e gás e, consequentemente a atenuação do tom da comunicação resultante das negociações em 2023.

Com o forte lema “Unite. Act. Deliver” a COP28, já no primeiro dia de negociação, apresentou um movimento surpreendente de sua presidência que resultou na aprovação do Fundo sobre Perdas e Danos[1]. O assunto foi o principal ponto de debate em 2022 em Sharm el-Sheikh, que encaminhou a necessidade de formação de grupos de trabalho para aprofundamento. Agora, nos Emirados Árabes, a sessão de abertura demonstrou a articulação da presidência e esforços para lançamento do fundo e seguiu como o primeiro donatário acompanhado pela Alemanha. Com o valor inicial de $200M o fundo foi inaugurado e será mantido, inicialmente pelo Banco Mundial.

Ponto de grande expectativa e de priorização na COP28, as discussões sobre Global Stocktake[2] não demoraram para engatar nas negociações. Estabelecido em 2022, e encaminhado durante o ano de 2023, as primeiras rodadas sobre GST deixaram a desejar em termos da ambição em limitar a produção e consumo de combustíveis fósseis. A discussão girou em torno do uso da expressão “phase-out”[3] associada ao desescalonamento do setor de óleo e gás e a necessidade de triplicar os investimentos e implementação de energia renovável ao redor do mundo. Em 2021, Glasgow também não conseguiu emplacar o vocabulário, assentando em “phase-down”[4] em suas recomendações finais, muito criticada pela atenuação do vocabulário.

A expectativa era de que a COP28 pudesse se mostrar mais propositiva, uma vez que os dados científicos apontam a dificuldade de manutenção do 1,5ºC[5] e suas consequências já perceptíveis ao redor do mundo com o aumento de frequência e intensidade de eventos climáticos extremos. Após diversas versões criticadas, o último texto do Global Stocktake apresentou uma nova formulação vocabular: a indicação de “transition away from fossil fuels”[6]. Esta formulação se mostra inédita em pautar de forma clara o tom da comunicação das COPs em um progressivo desestímulo ao setor, porém ainda falta indicação sobre o tempo e espaço necessário para uma transição justa, em termos trabalhistas, e para uma diversificação das folhas de investimento e operação de empresas hoje envolvidas com o setor. No mais, apesar do acentuado avanço em Perdas e Danos e em uma transição ao uso de combustíveis fósseis, entende-se que o Consenso dos Emirados Árabes (UEA Consensus) seguiu com escolhas de vocabulário voltadas para recomendação e sugestões não-vinculantes e com pouca ênfase na urgência da ação e implementação.

O Brasil na COP28

A COP28 entra para a história da participação social brasileira. Com a segunda maior delegação presente, atrás apenas dos Emirados Árabes, os brasileiros somavam mais de 1300 participantes entre representantes de governo Federal, Estadual e Municipal, da sociedade civil organizada, de movimentos sociais, academia, empresas e trabalhadores. Esta pluralidade de participação traz um indicativo do engajamento da sociedade brasileira na agenda de enfrentamento à crise climática, fundamental para a idealização e implementação de políticas públicas e boas práticas condizentes com as diferentes realidades locais.

O Brasil retoma em 2023 o protagonismo no diálogo e na ação nos fóruns internacionais. Em termos da participação na negociação, o Brasil manteve a posição de obter consenso nos temas principais dos debates que envolviam questões de adaptação e perdas e danos, transição justa para uma economia descarbonizada e nos mecanismos e abordagens cooperativas que envolvem os mercados de carbono, colocados no artigo 6º, mais especificamente 6.4, com a contagem de créditos gerados por conservação ou restauração.

No âmbito do GST, o Brasil mantinha duas posições principais, a primeira sobre o estabelecimento de um mandato claro nas reuniões subsidiárias a ocorrerem entre as COPs, pensando a presidência do Brasil na COP30, em Belém do Pará. A segunda, acerca das definições sobre responsabilidades e compromissos diferenciados para países desenvolvidos e em desenvolvimento. Esta discussão apresenta bastante aderência social no Brasil, que se estabelece na mesma medida em que aumenta a participação social na discussão climática. Conceitos caros para nós, como “justiça climática” e “combate ao racismo ambiental” pautam o desequilíbrio entre emissores e àqueles que sofrerão o maior impacto do desequilíbrio climático, atribuindo uma média ponderada, diferenciando papéis e responsabilidades de maneira condizentes ao peso do impacto ambiental, social e climático causado pelos países.

A publicação da nova NDC[7] brasileira também foi marco na COP. O documento estabelece metas absolutas de emissão de GEE[8] para 2025 e 2030 e zerar emissões até 2050 e estabelece, de vez, a Quarta Comunicação Nacional (2,56 GTCO2e), de 2005, como parâmetro para as reduções, encerrando de vez o ciclo das pedaladas climáticas. Além disto, a nova NDC brasileira estebelece em suas metas o compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2030.

Em termos da política climática brasileira, temos avanços em relação à construção e consulta referente à atualização da Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC), estipulada em 2009 após a COP de Copenhagen e até hoje sem atualização. A estruturação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) é parte fundamental deste novo ciclo estabelecido em 2023. O novo Plano Clima pretende se debruçar sobre todos estes assuntos, trazendo compromissos para adaptação e mitigação envolvendo os diferentes setores produtivos e sociais. São restabelecidos espaços de participação interministerial como o CIM (Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima), contando com 18 ministérios, com o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima e a Rede Clima. Será restabelecido também o CONSEC, o Conselho Nacional sobre Segurança Climática, contanto com uma composição “pentapartitite”, com cinco partes fundantes.

Visando alcançar os objetivos de descarbonização e contenção do desmatamento, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, em parceria com o Ministério da Fazenda e da Ciência e Tecnologia, apresentaram o instrumento global para conservação de florestas tropicais: o Fundo Florestas Tropicais para Sempre. Focado inicialmente em ser um mecanismo de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) o fundo se diferencia ao pagar por hectare conservado e não pelos créditos de carbono gerados pela conservação. Há uma expectativa que o Fundo possa vir a contemplar ações de restauração. Outros documentos indicativos da ação governamental serão utilizados como base para o estabelecimento de novas regras fiduciárias como o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e o Plano de Transformação Ecológica, ambos propostos pela colaboração entre os três ministérios citados e dialogados no CIM.

O Instituto Ethos nos Emirados Árabes

O Ethos esteve presente durante ambas as semanas de discussão na COP28. Foram duas atividades realizadas no Pavilhão Brasil, respectivamente: “Como dar escala à ação ambiental? Governança multinível na agenda climática brasileira” e “Financiamento Climático para a transição: onde está o dinheiro do Clima?”. Tratando do papel das articulações multissetoriais para o sucesso do estabelecimento de uma política climática condizente com as diferentes realidades brasileiras, bem como o papel do setor empresarial em dar agilidade e escala para o enfrentamento à crise climática.

Em 2023 o Instituto Ethos lançou dois principais documentos, o primeiro, a respeito da participação e compartilhamento de responsabilidades entre atores da sociedade Por uma Governança Climática Inclusive, Justa e Compartilhada: Recomendações da CBMC para o Plano Clima”, foi resultado da articulação da Conferência Brasileira de Mudança do Clima (CBMC), trazendo a complexidade de atores e a necessidade de consolidação de um Plano Clima que conte com a participação dos diferentes setores sociais em sua construção, implementação e contínuo monitoramento.

Em segundo lugar, em parceria com a Oxford Netzero representada na pesquisadora Aline Soterroni, o Grupo de Trabalho de Meio Ambiente do Instituto Ethos e suas empresas associadas apresentaram o documento “Setor Empresarial Brasileiro Rumo às Emissões Líquidas Zero: Estratégias Integradas e Soluções baseadas na Natureza”, apresentando cenários e alternativas para que seja possível chegarmos a 2050 com uma neutralidade carbônica e distantes do greenwashing. O documento traz recomendações de assimilação do escopo das Soluções baseadas na Natureza (SbN), como forma de remoção de emissões de GEE da atmosfera e seus co-benefícios para a promoção e preservação da biodiversidade e resiliência das populações humanas à crise climática.

O Instituto Ethos, em parceria com o Instituto Clima e Sociedade (iCS) teve a oportunidade de realizar um side-event oficial na programação da UNFCCC pensando o caminho para a COP30 no Brasil e o potencial das articulações multissetoriais: “Paving paths for COP30: Brazil’s shared responsibility aligns with Global Stocktake”. Por fim, o Instituto Ethos promoveu duas reuniões em parceria com organizações da Iniciativa Empresarial em Clima (IEC), a primeira aproximando o setor empresarial da construção do Plano Clima e dos gestores do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, traçando o que se espera das metas setoriais para adaptação e mitigação e; a segunda buscou aproximar o setor empresarial das negociações com especialistas da Oxford Netzero de accountability e transparência no Global Stocktake e compreender como desenhar rotas de descarbonização condizentes com os mecanismos financeiros e custo-benefício que propiciarão tal desenho.

Conclusões

No mais, o Instituto Ethos vê com otimismo as discussões travadas na COP28 e indicativos concretos do caminho que será considerado íntegro e efetivo para a descarbonização das economias mundiais. Será necessário, ao longo dos próximos anos, um olhar mais atencioso aos impactos da mudança do clima nas diferentes populações e que, a rota de descarbonização e de transição para modais de energia mais renováveis, possa ser sinônimo de garantia de direitos humanos e combate às desigualdades sociais.

O papel exercido pelos negociadores brasileiros durante a COP28 indica bem esta visão de divisão de responsabilidade e atribuição de valores diferentes, porém complementares, para a sustentabilidade. As desigualdades sociais são, ao mesmo tempo, os motores que incentivaram a crise climática e, ao mesmo tempo, podem ser incentivadas pela crise. É fundamental que possamos entender trajetos de redução de impacto e redução de emissões que impliquem a redução das desigualdades sociais e estimulem o bem-viver de povos e comunidades ao redor do globo.

Como estabelece o jargão das Soluções baseadas na Natureza, as crises climática, de perda de biodiversidade e de corrosão do tecido social podem ser endereçadas simultaneamente e com ações comuns. Devemos pautar e estimular progressivamente ações complexas que ofereçam co-benefícios ambientais, climáticos e sociais. Para que possamos, manter a ambição do 1,5ºC viva e argumentar em prol de uma justiça climática e social.

Referências Bibliográficas:

[1] A discussão sobre o estabelecimento de um Fundo de Perdas e Danos pode ser entendida dentro do escopo de adaptação. Vislumbrando os efeitos nocivos e irremediáveis da mudança do clima, será necessário direcionar recursos para políticas de adaptação à mudança do clima. Sem consenso em 2022, esperava-se maior clareza sobre o volume de doações e quem seriam os países donatários e quais seriam os critérios de vulnerabilidade climática para definir os recebedores. A discussão sobre Perdas e Danos é historicamente pautada por países insulares que veem, no limiar da temperatura média global de 1,5ºC, riscos físicos e de integridade territorial de seus países, serão os primeiros a acessar o novo fundo.

[2] Mas o que é o Global Stocktake (GST)? O GST é um mecanismo de transparência do Acordo de Paris para acompanhamento das metas nacionais e sua implementação. O GST não responde apenas aos estados nação, mas tem por objetivo o estabelecimento de metas e meios de implementação para os non-party stakeholders, tais como empresas e governos locais. Em muitas traduções para o potuguês, GST é mencionado como o Balanço Global, e de fato o é, uma vez que procura avaliar de modo coletivos os esforços para cumprimento das NDCs e manutenção do 1,5ºC.

[3] Tradução livre: encerramento gradual.

[4] Tradução livre: redução gradual.

[5] O valor limite de aumento médio da temperatura terrestre, 1,5ºC, é indicado como o teto do aumento da temperatura mundial para evitar inflexões ecossistêmicas, ou seja, uma desestruturação em cadeia e pontos de não-retorno. Assim, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), indica para os tomadores de decisão, que as práticas e decisões devem estar dentro da manutenção do 1,5ºC.

[6] Tradução livre: transição para longe dos combustíveis fósseis.

[7] Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, em inglês) o principal documento de reporte dos objetivos e metas climáticas para cumprimento do Acordo de Paris.

[8] Gases de Efeito Estufa.

Por: Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social

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