Por:
Brenda Rocha, Analista Sênior de Cidadania Corporativa, Firjan
Carolina Helena Oliveira Da Silva, Analista de Negócios em Responsabilidade Social, Firjan
Giovanna Costa Sousa, Analista de Projetos em Meio Ambiente e Clima, Instituto Ethos
Junio Magela Alexandre, CEO, ESGscan
- Contexto da COP30
Desde que o Brasil anunciou ao mundo, em 2022, sua intenção de recandidatar-se a sediar uma Conferência do Clima, reacendeu-se um sentimento antigo de que o país poderia novamente ocupar o lugar que lhe é típico na diplomacia ambiental e na liderança em desenvolvimento sustentável. Não era uma ambição inédita, afinal, em 2019, a COP estava prevista para acontecer em território brasileiro, antes que a candidatura fosse retirada e o encontro transferido para Madri[1]. Ficou no ar, à época, a sensação de uma oportunidade perdida, de uma conversa interrompida antes mesmo de começar.
A confirmação do Brasil como anfitrião veio ao final de 2023, seguida da indicação de Belém, no Pará, como lugar para receber a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, em 2025. A partir de então, criou-se a expectativa de que o país sediaria uma edição histórica: a primeira realizada em meio à Floresta Amazônica, região já amplamente reconhecida como uma das mais determinantes para a regulação climática, para a manutenção da biodiversidade e o equilíbrio da vida no planeta. Analogamente, com o anúncio da Presidência[2] de que a edição de Belém seria a COP da implementação, ampliou-se a aposta de que os compromissos assumidos ao longo da última década precisariam finalmente se materializar. Essa expectativa se intensificou sobretudo porque a COP30 representava um marco simbólico: dez anos desde a aprovação do Acordo de Paris, o compromisso internacional que estabeleceu metas inéditas de descarbonização e orientou o mundo a conter a escalada de gases de efeito estufa na atmosfera.
Agora, com a COP30 realizada, seus resultados repercutem para além dos 13 dias da conferência. É nesse sentido que o presente artigo se posiciona: como um esforço de balanço, um retorno aos principais movimentos da COP30 e às perspectivas que se abrem para o Brasil, para o setor empresarial e para a governança climática global.
- Agenda de ação e o papel das empresas
Para além de refletir sobre os acordos oficiais entre países, a Presidência da COP30 dedicou especial atenção à mobilização dos atores não-parte, ou seja, aqueles que não compõem diretamente as delegações de negociadores dos governos, mas que desempenham papel decisivo no aumento da régua da ambição climática. Esse movimento não surgiu de forma repentina. A última década reforçou a compreensão de que os compromissos internacionais só ganham tração quando se traduzem em políticas, investimentos, tecnologias e soluções.
Nessa esteira, a COP30 aproximou os processos diplomáticos da capacidade real de implementação, incentivando espaços para diálogo, participação e tomada de decisão multinível. Empresas, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, governos subnacionais, centros de pesquisa e juventudes assumiram, em Belém, um protagonismo inédito no desenho e na execução de soluções para a crise climática.
É nessa perspectiva de corresponsabilidade que se inserem as iniciativas a seguir de atores empresariais que desempenharam papel relevante ao qualificar o debate, promover a ação coletiva e conectar a agenda climática global às práticas das empresas.
2.1. Case Firjan
A realização da COP30 no Brasil posicionou o país no centro das negociações climáticas globais e abriu uma janela estratégica para inovação, financiamento e aumento da competitividade da indústria nacional. Nesse cenário, a Firjan se consolida como um exemplo de mobilização empresarial orientada à ação, ao conectar a agenda climática internacional às demandas concretas do setor produtivo fluminense. Com uma visão integrada de desenvolvimento econômico, descarbonização e inclusão, a instituição estruturou seu Plano de Ação para a COP30 a partir de três eixos complementares: informação qualificada, interlocução institucional e visibilidade com reputação, reconhecendo que a transição climática exige capacidade técnica, articulação política e fortalecimento da confiança institucional.
No eixo da informação qualificada, a Firjan atua como tradutora da complexa agenda climática para a realidade empresarial, oferecendo boletins técnicos, conteúdos customizados, ferramentas especializadas e estudos estratégicos que apoiam a tomada de decisão e ampliam a competitividade industrial. Essa produção de conhecimento está alinhada às prioridades da indústria para a COP30, com foco em mitigação, adaptação aos riscos climáticos, economia verde e transição justa, mercado de carbono e financiamento climático. Já no campo da interlocução institucional, a entidade defende os interesses da indústria na formulação e implementação de políticas públicas, buscando equilibrar ambição ambiental, segurança jurídica, competitividade e inovação, ao mesmo tempo em que fortalece parcerias e participa ativamente de fóruns e espaços de diálogo multissetoriais.
O eixo de visibilidade e reputação posiciona a Firjan como referência segura para empresas que buscam se adequar à economia de baixo carbono, integrando e valorizando também as ações do SENAI e do SESI nas áreas de educação, inovação, saúde, cultura e tecnologia. Nesse esforço, a instituição utiliza a linguagem audiovisual como instrumento de sensibilização social, destacando iniciativas como o documentário Quando a Água Baixar, que reforça as dimensões humanas, sociais e territoriais da agenda climática. No campo da sustentabilidade na prática, a Firjan é signatária do Pacto Global da ONU desde 2018, com uma atuação transversal fortalecida pela Gerência de Diversidade, Saúde Integral e Cidadania Corporativa e pela Gerência de Responsabilidade Social, que traduzem as diretrizes institucionais em políticas, programas e ações voltadas a colaboradores e empresas associadas.
Essas frentes se materializam em iniciativas de diversidade, equidade e inclusão, saúde integral, voluntariado, responsabilidade social corporativa, projetos socioambientais e produção de conhecimento, além de ações estruturantes como o mapeamento de resíduos recicláveis pós-consumo e o Prêmio Firjan de Sustentabilidade. A mobilização também se expressa no debate público e na formação de opinião, por meio de encontros, conteúdos audiovisuais e podcasts, consolidando a Firjan como articuladora de visões estratégicas sobre o futuro da indústria frente à emergência climática. Assim, o Case Firjan demonstra como uma entidade representativa pode assumir protagonismo na agenda da COP30, qualificando o debate, articulando interesses legítimos e fortalecendo a reputação do setor produtivo como vetor central da transição climática e da economia verde brasileira.
- Principais resultados do “Pacote Belém” e outros marcos importantes
Em 22 de novembro, um dia após o previsto para o encerramento, o acordo da COP30, intitulado de Pacote de Belém, foi aprovado por 195 países, indicando um conjunto de 29 decisões técnicas e marcando a transição simbólica e operacional de três décadas de negociações climáticas para uma fase de implementação mensurável e verificável. Realizada em um momento e território emblemático, a COP30 enfrentou o desafio de transformar ambição climática em arquitetura concreta de ação, num momento em que a lacuna entre compromissos nacionais e a trajetória de 1,5°C nunca foi tão evidente. O contexto geopolítico marcado por conflitos, recuo de potências em compromissos climáticos e crescente fragmentação multilateral tornou cada consenso alcançado um feito diplomático relevante.
No entanto, a tensão central do Pacote Belém reside justamente no que foi conquistado versus o que permaneceu ausente. Avanços estruturais em governança de adaptação, transição justa e financiamento climático contrastam com a omissão de um roteiro vinculante para a eliminação dos combustíveis fósseis[3]. Essa dualidade não é falha de negociação, mas reflexo da realidade econômica global: enquanto a ciência climática demanda ação radical e imediata, a inércia de trilhões de dólares em ativos carbono-intensivos e a dependência de economias inteiras em combustíveis fósseis impõem resistências estruturais.
Para o Brasil, essa tensão se traduz em oportunidade estratégica: posicionar-se como ponte entre ambição e viabilidade, demonstrando que a transição climática pode gerar crescimento econômico quando ancorada em dados, transparência e inovação. A análise dos componentes centrais do Pacote Belém revela compromissos diplomáticos, e sinais de mercado que reconfiguram riscos e oportunidades para economias emergentes, particularmente o Brasil. Nesse sentido, na sequência desdobramos algumas decisões formuladas.
3.1 Triplicação do financiamento para adaptação até 2035: promessa ambiciosa, mecanismos incertos
O compromisso de triplicar o financiamento internacional para adaptação até 2035 parte de uma base preocupantemente baixa. Dados do Adaptation Gap Report 2025 da UNEP revelam que países em desenvolvimento necessitarão entre US$310 e US$365 bilhões anuais até 2035 para medidas de adaptação climática, enquanto os fluxos atuais de financiamento público internacional somam apenas US$26 bilhões (2025). Isso configura um gap de financiamento de 12 a 14 vezes o volume disponível: uma lacuna que, se mantida, compromete não apenas a resiliência climática global, mas a viabilidade econômica de setores inteiros em regiões vulneráveis.
A matemática é ainda mais desafiadora quando analisamos a capacidade realista do setor privado. Ao contrário de narrativas otimistas sobre “billions to trillions”, a UNEP estima que o investimento privado pode cobrir entre 15% e 20% das necessidades de adaptação identificadas em prioridades públicas nacionais, aproximadamente US$55 bilhões anuais até 2035. Isso contrasta drasticamente com expectativas de alavancagem: enquanto o financiamento de mitigação consegue mobilizar US$2 de capital privado para cada US$1 público, a adaptação alcança apenas US$0,50 por dólar público investido. A razão é estrutural: projetos de adaptação frequentemente geram retornos sociais e econômicos difusos (redução de perdas futuras, proteção de comunidades vulneráveis, preservação de serviços ecossistêmicos), mas fluxos de caixa financeiros limitados e mensuráveis.
Para o Brasil, essa dinâmica apresenta implicações diretas em cadeias de valor estratégicas. Considere o agronegócio, responsável por aproximadamente 25% do PIB brasileiro: eventos climáticos extremos tais como secas prolongadas no Centro-Oeste, inundações no Sul, instabilidade de chuvas no Nordeste, já impactam produtividade agrícola e pecuária. Empresas exportadoras que não investirem em adaptação (irrigação eficiente, cultivares resistentes, diversificação de regiões produtoras) enfrentarão não apenas perdas operacionais diretas, mas desvalorização de ativos rurais como colaterais bancários e crescentes prêmios de seguro. Mais crítico: sem dados granulares que demonstrem investimentos em resiliência climática e resultados mensuráveis, essas empresas terão dificuldade crescente em acessar financiamento sustentável, que demanda evidências de gestão de risco climático físico.
A ausência de mecanismos claros de implementação e fontes definidas para a triplicação prometida representa o calcanhar de Aquiles do compromisso. Sem reformas nos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMDs), instrumentos inovadores de financiamento (debt-for-climate swaps, insurance-linked securities climáticos), e capacidade técnica para estruturar projetos bancáveis de adaptação, o gap continuará expandindo. O Brasil, como anfitrião da COP30 e detentor da presidência até 2026, tem a oportunidade única de liderar a operacionalização desse compromisso, se posicionando como laboratório para modelos inovadores que combinem financiamento público catalítico, capital privado e demonstração de retornos através de dados verificáveis.
3.2 Indicadores da Meta Global de Adaptação: de aspiração política a métrica operacional
A aprovação de 59 indicadores voluntários para monitorar progresso na Meta Global de Adaptação (GGA) retrata um marco histórico: pela primeira vez, a comunidade internacional possui métricas globalmente reconhecidas para medir adaptação, que é uma área tradicionalmente difusa e difícil de quantificar, ao contrário da mitigação com suas toneladas de CO₂ equivalente facilmente contabilizáveis. Os indicadores cobrem setores críticos (água, alimentação, saúde, ecossistemas, infraestrutura, meios de subsistência) e incorporam questões transversais como finanças, tecnologia e capacitação, alinhando-se ao UAE Framework for Global Climate Resilience[4]. No entanto, a efetividade desses indicadores dependerá de três fatores críticos: (1) qualidade e granularidade de dados disponíveis, (2) capacidade técnica nacional para operacionalizar sistemas de Monitoramento, Avaliação e Aprendizagem (MEL), e (3) integração com ciclos de transparência do Acordo de Paris, particularmente os Relatórios Bienais de Transparência (BTRs).
Essa lacuna entre indicadores acordados e capacidade de medição representa simultaneamente um risco e oportunidade para o Brasil. No cenário de risco, empresas brasileiras que não conseguirem demonstrar com dados robustos seus investimentos em adaptação e resultados mensuráveis perderão competitividade no acesso a financiamento climático internacional, que está migrando rapidamente de promessas qualitativas para exigências quantitativas verificáveis.
No cenário de oportunidade, o Brasil pode liderar a criação de infraestrutura metodológica para operacionalizar os indicadores GGA, posicionando-se como referência global em transparência de adaptação. Isso requer, por exemplo, integração inteligente de múltiplas fontes de dados públicos (INPE para monitoramento de secas e queimadas, INMET para dados meteorológicos, ANA para recursos hídricos, Embrapa para produtividade agrícola ajustada por clima) com dados corporativos e cadastrais. A capacidade de processar grandes volumes de informação não-estruturada tais como licenças ambientais, planos municipais de adaptação em diários oficiais, relatórios de eventos extremos, e transformá-los em indicadores padronizados é um diferencial competitivo para empresas brasileiras demonstrarem conformidade e atraírem capital.
3.3 Mecanismo de Ação de Belém: transição justa como pilar estrutural, não retórica
A adoção do Mecanismo de Ação de Belém (BAM) para Transição Justa representa uma vitória histórica de movimentos sindicais e sociedade civil. Pela primeira vez, direitos trabalhistas, proteção social, trabalho decente, igualdade de gênero e economia do cuidado são integrados estruturalmente à governança climática global, não como declaração de intenções, mas como componente permanente, financiado e monitorável dentro da UNFCCC. O BAM transforma “transição justa” de conceito abstrato em instrumento operacional, com três pilares: (1) entidade central de coordenação, (2) centro de produção/troca de conhecimento (expandindo o programa de trabalho temporário da COP27), e (3) componente de ação e apoio que conecta países, projetos e financiadores, com foco em evitar endividamento adicional em economias em desenvolvimento.
A inclusão inédita de populações afrodescendentes em documentos climáticos formais (além de povos indígenas e comunidades tradicionais) carrega significado particular para o Brasil, país com segunda maior população negra do mundo e onde vulnerabilidades climáticas correlacionam-se fortemente com desigualdades raciais históricas. Populações periféricas urbanas, majoritariamente negras, sofrem desproporcionalmente com enchentes, deslizamentos e ondas de calor devido à localização em áreas de risco e infraestrutura inadequada. Comunidades quilombolas enfrentam ameaças a territórios por eventos climáticos extremos sem acesso equivalente a recursos de adaptação.
Para o setor empresarial brasileiro, o BAM representa uma mudança fundamental: transição justa deixa de ser “valor agregado”em relatórios de sustentabilidade e torna-se um requisito estrutural para acessar financiamento climático e operar em cadeias de valor globais. Empresas que não demonstrarem planos robustos de requalificação profissional, proteção de renda para trabalhadores em transição, e consulta com comunidades afetadas enfrentarão resistência social, riscos regulatórios e exclusão de fundos ESG que adotam critérios de transição justa.
3.4 TFFF: a aposta brasileira para um novo modelo de financiamento climático
O lançamento brasileiro do Tropical Forests Forever Facility (TFFF), uma das grandes apostas do Brasil neste ciclo, introduziu uma inovação financeira potencialmente transformadora: US$ 6,7 bilhões mobilizados na primeira fase, com endosso de 63 países, para pagamentos de longo prazo baseados em resultados verificados de conservação florestal. Ao contrário de doações tradicionais, o modelo permite que investidores recuperem recursos com remuneração compatível a taxas de mercado, enquanto países preservadores recebem fluxos financeiros contínuos por manter florestas em pé. Isso cria, em tese, nova economia baseada em conservação, tornando a floresta um ativo produtivo, não custo de oportunidade.
Para o Brasil, detentor da maior extensão de floresta tropical do planeta, o TFFF pode representar fonte estrutural de financiamento para proteção amazônica desde que consiga atender o requisito crítico: verificação robusta e contínua de resultados. Aqui reside tanto o potencial quanto o desafio: como se mensura “floresta em pé” de forma verificável, auditável e resistente a manipulações? A resposta passa necessariamente por integração de dados de múltiplas fontes: monitoramento por satélite (sistemas como PRODES/DETER do INPE), validação em campo, cruzamento com cadastros ambientais rurais (CAR), dados de fiscalização ambiental e, crucialmente, rastreabilidade de cadeias produtivas que operem em regiões florestais. O risco para o Brasil está em não conseguir operacionalizar essa verificação em escala e velocidade adequadas, perdendo credibilidade internacional e recursos do TFFF para competidores (Indonésia, Congo, países amazônicos vizinhos) que estabeleçam sistemas de MRV (medição, reporte e verificação) mais robustos primeiro.
- Implicações para o setor empresarial
O Pacote de Belém criou compromissos governamentais e estabeleceu uma nova arquitetura de riscos e oportunidades que reconfigura a competitividade empresarial global. Para empresas brasileiras, essa transição de “negociações” para “implementação e verificação” significa que transparência baseada em dados deixou de ser diferencial competitivo voluntário e tornou-se um pré-requisito para acesso a mercados, capital e cadeias de valor internacionais.
A convergência entre indicadores GGA aprovados em Belém, exigências crescentes de disclosure climático e pressão de investidores cria tempestade perfeita: empresas que não conseguirem demonstrar com dados granulares, verificáveis e comparáveis sua exposição a riscos climáticos e efetividade de ações de mitigação/adaptação enfrentarão exclusão progressiva de mercados de capitais sofisticados. A necessidade de demonstrar resiliência frente aos riscos físicos crescentes da mudança do clima passa a influenciar custos operacionais, seguros, crédito e planejamento de longo prazo. Análises do Network for Greening the Financial System (NGFS) sobre cenários climáticos alertam que “propriedades ou terras localizadas em áreas expostas a inundações, incêndios ou elevação do nível do mar podem perder valor ou até se tornarem inelegíveis como colateral, enfraquecendo a resiliência de instituições credoras” (NGFS, 2025). Para o Brasil, esse risco não é abstrato: as inundações de 2024 no Rio Grande do Sul resultaram em perdas estimadas em mais de R$ 80 bilhões, afetando não apenas ativos físicos, mas também a capacidade de crédito de empresas e produtores rurais cujas garantias foram desvalorizadas (BID; CEPAL; Banco Mundial, 2024). Nesse contexto, a capacidade de mapear riscos, integrar dados e demonstrar resultados mensuráveis torna-se elemento central da competitividade empresarial.
Ao mesmo tempo, esse novo ambiente regulatório e de mercado também cria oportunidades. Empresas e países com menor intensidade de carbono e maior capacidade de comprovar seu desempenho ambiental tendem a se beneficiar em um cenário de crescente precificação de emissões e de barreiras comerciais ambientais. O Brasil reúne vantagens estruturais relevantes, como matriz elétrica majoritariamente renovável, potencial para soluções de baixo carbono e ativos florestais estratégicos. Instrumentos como o TFFF ampliam essas oportunidades ao criar mecanismos de valorização econômica da conservação ambiental. No entanto, o acesso a esses fluxos depende da capacidade contínua de comprovação de resultados, com base em sistemas confiáveis de monitoramento, reporte e verificação.
O Pacote de Belém marca uma inflexão decisiva: a era de compromissos climáticos voluntários e narrativas qualitativas terminou. Entramos na era de métricas obrigatórias, verificação independente e consequências de mercado para empresas que não acompanharem a transição. Nesse sentido, o Brasil pós-COP30 não pode mais escolher entre crescimento econômico e ação climática: as duas agendas são indissociáveis. Empresas que compreenderem essa realidade e investirem em capacidade analítica de dados para navegá-la prosperarão. As que resistirem descobrirão, tarde demais, que o preço da opacidade no novo regime climático global é a irrelevância econômica.
- Considerações finais:
À medida que se aproxima o marco de 1 mês da COP30, é consenso que a conferência entregou parcialmente aquilo que se esperava. Ao assumir-se como a “COP da implementação”, avançou na construção de instrumentos operacionais e marcou uma inflexão relevante, na medida em que a governança climática internacional passa a exigir mensuração, monitoramento e capacidade de execução, deslocando o debate do plano declaratório para o campo da ação. No entanto, lacunas importantes são reconhecidas. A ausência de um roteiro claro, vinculante e temporalmente definido para a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis expôs os limites políticos do consenso multilateral em um cenário de ainda forte dependência econômica desses ativos. Essa omissão enfraquece a coerência entre a ambição climática necessária e as decisões efetivamente adotadas.
Ao mesmo tempo, a COP30 amplificou o reconhecimento do papel da participação social e dos atores não estatais no exercício da agenda climática. A presença expressiva e qualificada de povos indígenas, comunidades tradicionais, movimentos sociais, juventudes, governos locais, empresas e organizações da sociedade civil conferiu legitimidade ao processo, e também influenciou conteúdos centrais como adaptação.
Nesse contexto, estabelece-se uma agenda mínima para os próximos anos. Para as empresas, o desafio central será integrar a agenda climática às estratégias de negócio de forma perene. Isso implica fortalecer a gestão de riscos climáticos físicos e de transição, investir em adaptação, assegurar transparência baseada em dados verificáveis e incorporar a dimensão da transição justa nas cadeias produtivas e nas relações de trabalho, por exemplo. Para iniciativas coletivas, como o Grupo de Trabalho de Meio Ambiente do Instituto Ethos, a agenda que se apresenta envolve qualificar o debate, promover convergência entre políticas públicas e práticas corporativas, e incentivar espaços de diálogo capazes de traduzir os marcos globais para a realidade local.
7. Referências
BRASIL. Agenda de Ação. 2025. Disponível em: https://cop30.br/pt-br/agenda-de-acao
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL); Banco Mundial. Avaliação dos impactos econômicos das enchentes no Rio Grande do Sul em 2024. Washington, DC: BID, 2024.
INSTITUTO LACLIMA. Resumão da COP 30. Belém, 2025. Disponível em: https://www.laclima.org/publicacoes/resum%C3%A3o-da-cop-30
NETWORK FOR GREENING THE FINANCIAL SYSTEM (NGFS). Guide to climate scenario analysis for central banks and supervisors – Update. Paris: NGFS Secretariat, Banque de France, November 2025. 60 p. Disponível em: https://www.ngfs.net/en/liste-chronologique/ngfs-publications UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME (UNEP). Adaptation Gap Report 2025: Running on empty. Nairobi: UNEP, 2025. Disponível em: https://www.unep.org/resources/adaptation-gap-report-2025
[1] Diante da recusa do governo brasileiro à época, organizações da sociedade civil, instituições de pesquisa, órgãos públicos subnacionais, movimentos sociais e empresas empreenderam a iniciativa multissetorial “Conferência Brasileira de Mudança do Clima (CBMC)” como forma de demonstrar o engajamento e o compromisso de diversos atores da sociedade brasileira com a agenda climática. Ver mais em: climabrasil.org.br.
[2] A presidência da COP é exercida pelo país-sede da conferência, que organiza e coordena as negociações climáticas sob a liderança de um presidente indicado pelo grupo regional da ONU ao qual pertence o país. Esse presidente, junto com uma diretoria-executiva, é responsável por conduzir as discussões, pautar temas e buscar consenso entre os países-partes da Convenção do Clima. Na COP30, a presidência foi exercida por André Aranha Corrêa do Lago, com Ana Toni na diretoria-executiva.
[3] Também chamado de “mapa do caminho” (roadmap, em inglês), é o termo utilizado nas negociações internacionais para designar planos de ação que organizam etapas, prazos e metas rumo a um objetivo comum. No âmbito da COP30, esperava-se a adoção de um mapa do caminho para a transição para longe dos combustíveis fósseis como um roteiro político e técnico capaz de orientar a implementação deste compromisso; contudo, essa expectativa não se materializou no texto final do acordo.
[4] O UAE Framework for Global Climate Resilience é o marco acordado na COP28, sob a presidência dos Emirados Árabes Unidos, que estabeleceu diretrizes globais para fortalecer a adaptação e a resiliência climática, no âmbito do Objetivo Global de Adaptação (GGA). O framework organiza prioridades, áreas temáticas e orientações para apoiar países na redução da vulnerabilidade aos impactos das mudanças climáticas, sem criar metas juridicamente vinculantes.









