Diálogo sobre o clima reúne o governo paulista, empresas, o setor financeiro e organizações sociais em busca de propostas para a COP 21, de Paris.
Desde que o clima entrou na agenda global, ainda nos anos 1990, o Brasil se acomodou a ter como meta unicamente o combate ao desmatamento como fator de redução de suas emissões de gases que provocam as mudanças climáticas. O país teve sucesso nessa empreita e, agora, às vésperas de mais uma COP (Conferência das Partes) sobre clima, em dezembro próximo, em Paris, parece ter abdicado da ação propositiva e de liderança que buscou assumir em 2009, na COP 15, em Copenhague. Na época, a mobilização contagiou o país e o governo de São Paulo também se adiantou na construção da sua Política Estadual de Mudanças Climáticas. O cenário mostrava compromisso em direção à construção de uma economia de baixo carbono.
Seis anos depois, o Brasil caminha desalentado em direção a Paris, sem uma proposta capaz de mobilizar a sociedade e imerso em problemas políticos e econômicos internos. No entanto, essa conjuntura não pode ser motivo para se abandonar a pauta climática, talvez o principal desafio ambiental da humanidade. O governo de São Paulo, organizações da sociedade civil e empresariais decidiram oferecer uma contribuição adicional a esse debate, com a realização do “Fórum de Diálogos – Mudanças Climáticas”, em 18 de junho, no auditório da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
Anfitriã do diálogo, que teve como tema “Desafios e oportunidades para um futuro de baixo carbono”, a secretária de Meio Ambiente, Patrícia Iglecias, ressaltou a urgência de ações de mitigação que possam assegurar a resiliência do Estado em relação aos impactos das mudanças climáticas. Para ela, apesar de ainda não ser possível afirmar com segurança que a crise hídrica de 2014 seja consequência direta do aumento da temperatura média global, “também não é possível descartar completamente e hipótese”. Essa é também a opinião de um de seus antecessores no cargo, o ex-deputado federal Fábio Feldman, que foi palestrante no evento e participou da mesa de diálogo composta por Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade do Carrefour Brasil, Caio Magri, diretor do Instituto Ethos, e Linda Murasawa, diretora do Banco Santander Brasil.
Um dos focos dos diálogos foi sobre a necessidade de engajamento das empresas na proposição de soluções e na busca de alternativas de negócios de menor impacto ambiental e maior desempenho social. O presidente do Carrefour Brasil, Charles Desmartis, que participou da abertura do evento, disse que a empresa tem compromissos globais que se refletem em ações em todas as lojas ao redor do mundo e especialmente no Brasil, onde o grupo atua há 40 anos. “Estamos mudando processos, economizando em logística e reduzindo emissões e geração de resíduos em todas as nossas unidades”, disse.
Fabio Feldman, em sua fala inicial, ressaltou que as propostas apresentadas pelo governo federal não podem servir como “teto” para as ambições brasileiras. “São Paulo está para o Brasil assim como a Califórnia é um paradigma de vanguarda para os Estados Unidos”, disse. Feldman defende que os Estados e cidades brasileiras avancem em sua contribuição para a redução de gases estufa conforme seu perfil e capacidade. “Agora que a redução do desmatamento já chegou a um ponto em que ele não é mais o grande vilão das emissões nacionais, é preciso focar nas emissões por geração de energia e queima de combustíveis em transportes”, explica o especialista.
Durante o diálogo que se seguiu, mediado pelo jornalista Dal Marcondes, do Portal Envolverde, a diretora do Santander, Linda Murasawa, explicou que o setor bancário é especialista em avaliação de riscos e já está estimando a capacidade das empresas em atuar num cenário futuro diferente, impactado por mudanças climáticas, além de reconhecer o valor de empresas, governos e organizações que estão na vanguarda de contribuições positivas. “A inovação e a capacidade de transformar processos em favor de uma economia de baixo carbono são os valores que procuramos”, explica a executiva, que estará na COP 21, na condição de representante do Santander nas reuniões com o setor financeiro global.
Essa participação do setor privado na construção de políticas públicas capazes de levar o Brasil de volta ao protagonismo global em mudanças climáticas foi defendida também pelo representante do Instituto Ethos, Caio Magri. Para ele, as expectativas dos atores brasileiros não mudaram desde 2009, mas é preciso ampliar a pressão para que o governo avance de forma mais concreta em direção a um acordo que imponha metas e datas para a redução efetiva das emissões.
Magri falou também do movimento Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que será lançado nesta quarta-feira (24/6) e tem como grupo orientador o Instituto Ethos, o CEBDS, o Diálogo Florestal, e o Observatório do Clima. A iniciativa pretende incentivar práticas inovadoras e de baixo carbono em diversos setores, além de impulsionar o protagonismo brasileiro no tema. “A construção de uma economia de baixo carbono é a oportunidade de o Brasil assumir um papel relevante na economia global”, explica Magri. Para ele, essa economia tem um imenso potencial de prosperidade, com inclusão social e geração de emprego e renda.
Dono da maior cadeia de valor da economia, os longos braços do setor varejista conseguem chegar a agricultores e pecuaristas e a indústrias de todos os portes e setores, além de receber milhões de pessoas em suas lojas todos os dias. Isso oferece aos varejistas a oportunidade de atuar diretamente sobre o ciclo de vida de quase 60 mil itens presentes em suas gôndolas, como explicou Paulo Pianez, do Carrefour Brasil. “Nossa estratégia é realizar estudos e transformações em nossos produtos de marca própria, liderar pelo exemplo, para depois pedir a nossos fornecedores que melhorem o perfil de sustentabilidade de seus produtos”, explica. A construção do diálogo com os produtores a partir de uma ação da própria marca tem tido diversas vantagens. Uma delas, como destaca Pianez, é que, em caso de necessidade, o Carrefour consegue transferir experiência e tecnologia a seus fornecedores de maneira a ajudá-los a melhorar o desempenho em sustentabilidade de seus produtos. “No caso de grandes empresas, isso normalmente não é necessário, mas tem um papel muito importante entre os pequenos”, diz o executivo.
Depois de pouco mais de duas horas de diálogo, com participação da plateia, a secretária Patrícia Iglecias garantiu que a iniciativa não vai se encerrar. “Vamos fomentar e promover esse tipo de diálogo com muito mais atores, de forma a apoiar a construção e difusão de conhecimentos sobre os desafios que as mudanças climáticas impõem ao mundo, ao Brasil e ao Estado de São Paulo”, garantiu.
Um dos pontos de consenso é que o dilema brasileiro não se resolve mais apenas com a redução do desmatamento. É preciso incluir as pautas das cidades, dos transportes, da geração de energia e do agronegócio, estabelecendo prazos e metas para que cada um desses setores melhore seu desempenho em relação ao clima.
Por Dal Marcondes e Marina Teles, da Envolverde