1. Introdução: O Novo Imperativo de Mercado para Pequenas e Médias Empresas

A consolidação da agenda de Direitos Humanos e Responsabilidade Socioambiental já está avançada na maioria das grandes empresas brasileiras. Com o progresso das discussões e o fortalecimento do tema, torna-se evidente que organizações que não se alinham às práticas de respeito aos direitos humanos e à responsabilidade socioambiental enfrentam dificuldades crescentes para se manter competitivas no mercado global.

Em 2024, a União Europeia aprovou a Diretiva de Due Diligence em Sustentabilidade Corporativa (CS3D) – Corporate Sustainability Due Diligence Directive (EU Directive 2024/1346). A partir de 2027, empresas que desejem fazer negócios com os 27 países-membros precisarão comprovar que suas operações e suas cadeias de fornecedores atuam em estrita conformidade com os direitos humanos e as normas ambientais. Dada a forte relação comercial do Brasil com o bloco europeu, os impactos da regulamentação já começam a ser percebidos. Diante disso, empresas brasileiras são estimuladas a fortalecer políticas que promovam os direitos humanos e alinhem suas práticas às exigências internacionais de due diligence.

Nesse contexto, torna-se igualmente relevante reconhecer o papel central das Pequenas e Médias Empresas (PMEs). Elas representam parte expressiva da geração de empregos, movimentam a economia local e integram a base produtiva brasileira. Incorporar políticas de Direitos Humanos passa a ser não apenas um imperativo ético, mas também estratégico para o fortalecimento da credibilidade, do relacionamento com stakeholders e da sustentabilidade dos negócios.

A discussão sobre empresas e direitos humanos costuma evocar a imagem de grandes corporações, cadeias globais de fornecimento e auditorias complexas. Porém, a maior parte das relações de trabalho e consumo ocorre no âmbito das PMEs, que formam o substrato essencial da economia real. Ignorá-las significa desconsiderar a realidade vivida pela maior parte da força de trabalho do país.

A incorporação dessa agenda pelas PMEs não deve ser vista como uma reprodução simplificada das práticas corporativas de grandes empresas. Trata-se de uma pauta própria, com desafios e oportunidades específicas. Em muitos casos, a ausência de estruturas robustas convive com grande capacidade de adaptação e com vínculos mais próximos entre liderança e colaboradores. Muitas vezes, a função de recursos humanos é exercida diretamente pelo proprietário, o que cria riscos, mas também uma oportunidade singular de moldar a cultura organizacional de forma rápida e efetiva.

A publicação deste artigo no dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos (data de adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH, 1948), reforça a urgência da implementação prática desses princípios no cotidiano dos negócios. A efetividade da Declaração Universal se concretiza em ambientes de trabalho seguros, relações justas e oportunidades equitativas, especialmente nas empresas que empregam a maior parcela da população. As PMEs são, portanto, um vetor essencial para que uma economia mais justa e inclusiva seja uma experiência real para grande parte dos trabalhadores.

2. O Papel das PMEs na Agenda de Direitos Humanos

As PMEs compõem a base da economia brasileira e são responsáveis pela maioria dos empregos formais. No Rio de Janeiro, por exemplo, segundo boletim da Firjan, micro e pequenas empresas industriais geraram 74.189 empregos entre janeiro e setembro de 2025, representando um crescimento de 10% em relação ao ano anterior. Além disso, 67.771 empresas de pequeno e médio porte foram abertas no mesmo período.

Esse protagonismo econômico vem acompanhado de um papel social significativo. Em muitos municípios, uma PME é mais do que uma empregadora. Ela é um ponto de encontro comunitário, uma patrocinadora de atividades locais e um agente que influencia diretamente o futuro dos jovens que ingressam no mercado de trabalho.

A aproximação com a comunidade e a agilidade decisória tornam essas empresas ambientes privilegiados para práticas inovadoras e transformadoras. Exemplos concretos incluem decisões de priorizar fornecedores locais liderados por mulheres, contratar jovens aprendizes da região ou fortalecer ambientes inclusivos que reflitam a diversidade da vizinhança.

É importante desconstruir a ideia de que direitos humanos exigem estruturas complexas ou elevados investimentos. Mesmo com equipes reduzidas, as PMEs podem contribuir significativamente, assegurando processos seletivos sem discriminação, prevenindo e combatendo o assédio, observando rigorosamente a legislação trabalhista e mantendo diálogo constante com a comunidade sobre impactos ambientais e sociais.

Os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGP), estabelecem o princípio da proporcionalidade (Princípio 24), que afirma que todas as empresas devem respeitar os direitos humanos, mas a forma de fazer isso deve ser adequada ao porte e à complexidade da operação. Uma PME não precisa elaborar relatórios extensos, mas deve demonstrar compromisso real por meio de ações práticas, coerentes e acessíveis à sua realidade. Due diligence, nesse contexto, pode significar diálogo direto com fornecedores, revisão de práticas internas ou ajustes imediatos em políticas e condutas.

3. Desafios Estruturais e Oportunidades Estratégicas

A incorporação da agenda de direitos humanos nas PMEs envolve desafios estruturais e operacionais. Muitas enfrentam limitações financeiras, falta de capacitação e ausência de orientação técnica. Além disso, a prioridade cotidiana costuma ser a sobrevivência do negócio, o que dificulta investimentos de longo prazo em temas como compliance social e gestão de riscos.

Ao mesmo tempo, essa agenda oferece oportunidades estratégicas importantes. O comprometimento com boas práticas fortalece a reputação corporativa, aumenta a capacidade de atrair talentos, abre portas para novos mercados e favorece parcerias com grandes empresas que exigem responsabilidade em suas cadeias de valor (conforme as diretrizes de cadeia de suprimentos responsável). Internamente, ambientes mais justos e seguros promovem engajamento, inovação e produtividade.

Pequenas mudanças culturais ou de gestão podem gerar impactos expressivos. Adoção de critérios claros contra discriminação (alinhados à Convenção 111 da OIT), flexibilidade para apoio à parentalidade (promovendo a equidade de gênero), políticas contra assédio e criação de canais de diálogo são exemplos de ações que mudam o ambiente de trabalho e ampliam a percepção de segurança e pertencimento.

4. Ferramentas e Caminhos Práticos

Avançar nessa agenda não depende de estruturas complexas. Existem ferramentas, referências e mecanismos amplamente acessíveis às PMEs. Entre as principais fontes de apoio estão documentos da ONU, guias nacionais e metodologias de organizações brasileiras especializadas.

Principais Referências para PMEs:

ReferênciaFoco e AbrangênciaLink
Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGP)Estrutura global de responsabilidade (Proteger, Respeitar, Remediar).UNGP: Implementando os Princípios Orientadores (FGV)
Guia Nacional de ImplementaçãoDiretrizes brasileiras para o setor empresarial (Decreto Nº 9.571/2018), adaptando os UNGPs.Decreto Nº 9.571/2018 – Planalto
Guias e Metodologias do Instituto EthosIndicadores ASG para autoavaliação e gestão de responsabilidade social, adaptáveis a diferentes portes.Indicadores Ethos ASG
Protocolo ESG Racial do Pacto pela Equidade RacialAções e métricas específicas (IEER) para combater o racismo e promover a equidade racial.Pacto de Promoção da Equidade Racial (Ethos)
Materiais e Orientações da OIT (Organização Internacional do Trabalho)Foco em Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (normas internacionais, convenções, protocolos).OIT: Normas Internacionais do Trabalho
Princípios de Empoderamento das Mulheres (WEPs – ONU Mulheres)Diretrizes para empoderar mulheres no local de trabalho, mercado e comunidade (igualdade de gênero).WEPs – ONU Mulheres (PDF)
Trilhas do SEBRAEConteúdo e diagnóstico sobre ESG e Sustentabilidade, com foco prático e gratuito para PMEs.Sebrae: Projeto ESG para Mercados Corporativos

 

Caminhos Práticos para Implementação:

Ao combinar referências reconhecidas com ações simples e coerentes, as PMEs conseguem estruturar uma gestão sólida e responsável, fortalecendo sua competitividade e ampliando seu impacto positivo.

5. Casos, Boas Práticas e Experiências das Empresas do Grupo de Trabalho de Empresas e Direitos Humanos do Instituto Ethos

Caso Firjan – Atuação Setorial e Suporte às PMEs:

A Firjan, que integra SESI, SENAI, IEL e CIRJ, atua na promoção da competitividade e do desenvolvimento do setor produtivo no Rio de Janeiro. Na agenda de sustentabilidade e ESG, desenvolve iniciativas voltadas a empresas de todos os portes, incluindo PMEs. Entre as ações destacam-se:

A atuação da Firjan evidencia como uma entidade setorial pode impulsionar a agenda de direitos humanos nas PMEs ao oferecer capacitação, orientação técnica, métricas e metodologias adaptadas à sua realidade.

Caso Fiotec – Projeto Leitura Diversa e Cultura de Inclusão:

A Fiotec lançou em 2025 seu Programa de Diversidade e Inclusão, alinhado à Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Entre as iniciativas, destaca-se o Projeto Leitura Diversa, que disponibiliza obras sobre os 17 ODS e temas de direitos humanos, incentivando à reflexão, engajamento e cultura de leitura entre colaboradores. A Fiotec também estimula a participação da equipe em grupos de trabalho dedicados à promoção dessa agenda, fortalecendo a educação corporativa sobre o tema.

6. Considerações Finais: O Valor Estratégico do Trabalho Colaborativo para as PMEs

Este artigo evidenciou que a agenda de Direitos Humanos não é uma exclusividade das grandes corporações, mas sim um imperativo de mercado e um fator de sustentabilidade para as Pequenas e Médias Empresas. A necessidade de alinhamento é catalisada por regulamentações internacionais, como a CS3D, e pela importância das PMEs como maiores empregadoras do país.

Reiteramos que o caminho para a incorporação dessa agenda está no princípio da proporcionalidade (UNGP), que permite que as PMEs realizem due diligence e promovam boas práticas de forma simples, prática e coerente com seus recursos e sua estrutura. Desde a prevenção ao assédio e a garantia de equidade em processos seletivos até a adoção de canais de diálogo, a mudança de gestão gera impactos sociais e econômicos expressivos.

Neste cenário, a participação no Grupo de Trabalho de Empresas e Direitos Humanos do Instituto Ethos oferece um ambiente crucial de apoio. O grupo atua como um facilitador de aprendizagem coletiva e troca de experiências, suprindo a carência de orientação técnica e acelerando a adoção das melhores práticas.

Assim, o GT auxilia as PMEs a desenvolverem competências internas, a compreenderem os riscos e oportunidades e a acessarem ferramentas essenciais (como as referências da OIT, ONU Mulheres e SEBRAE). Ao avançarem de maneira realista, gradual e embasada, as PMEs não apenas cumprem sua responsabilidade corporativa contemporânea, mas se estabelecem como agentes efetivos na construção de uma economia mais justa, inclusiva e resiliente. O compromisso com os Direitos Humanos, portanto, é o passo fundamental para garantir a longevidade e a competitividade dessas empresas no futuro.

Este artigo foi desenvolvido e escrito por:

Brenda Rocha, analista de Cidadania Corporativa Sênior, Firjan

Céu Pozzali Silva Rodrigues, analista de Diversidade e Sustentabilidade, Fiotec

Diego da Silva Santos, analista de Cidadania Corporativa, Firjan

Fernanda Cabral Leal da Cunha, analista de Negócios em Responsabilidade Social, Firjan

Lucas Carvalho, analista de Projetos em Direitos Humanos, Instituto Ethos

Meg Magalhães, analista de Cidadania Corporativa, Firjan