Debate promovido pelo Fórum Clima – Ação Empresarial sobre Mudanças Climáticas aponta algumas tendências no planejamento do setor elétrico.

O planejamento defasado, a falta de incentivos eficazes para as fontes renováveis e a redução do consumo com mais eficiência energética sinalizam forte tendência ao aumento das emissões de gases de efeito estufa pela matriz elétrica brasileira nos próximos anos. Esse é o panorama que se desenhou no seminário “Tendências da Matriz Elétrica Brasileira: Como Promover uma Economia de Baixo Carbono no Setor”, realizado em São Paulo no dia 29 de abril de 2014, pelo Fórum Clima – Ação Empresarial sobre Mudanças Climáticas, cuja secretaria executiva está a cargo do Instituto Ethos. Especialistas dos setores público, privado e acadêmico debateram as oportunidades e desafios em torno do tema, que tem forte impacto nas condições necessárias ao desenvolvimento sustentável do país.

Caio Magri, diretor de Operações, Práticas Empresariais e Políticas Públicas do Instituto Ethos, abriu o seminário destacando “o momento propício em função da campanha eleitoral” deste ano para estimular esse debate, que “exige maior protagonismo articulado das empresas para influenciar a gestão de demandas centrais, garantir a segurança energética para o desenvolvimento do Brasil e, ao mesmo tempo, atender à necessidade de ampliar a participação das renováveis na matriz”.

Mediada por André Dorf, presidente da CPFL Renováveis, a primeira sessão de debates teve como tema exatamente a “Diversificação da Matriz Energética Brasileira e o Uso de Fontes Renováveis”. Ao apresentar um quadro detalhado do perfil atual de consumo, produção e distribuição de energia elétrica no país, o diretor da PSR Consultoria, Marco Antônio Siqueira, mostrou que o atual formato de gestão de oferta e demanda comporta distorções que podem conduzir a “um estresse do sistema”. A razão é a falta de projetos para fornecimento ao chamado “mercado livre” – no qual os grandes consumidores negociam o suprimento de energia diretamente com as operadoras – já que as geradoras e distribuidoras preferem investir em usinas aptas a competir nos leilões que asseguram previsibilidade de receita. “O financiamento de projetos para o mercado livre exige contratos de longo prazo, de dez anos ou mais, que só as companhias muito grandes podem assumir” – disse. Cerca de 27% da eletricidade consumida no Brasil são negociados no mercado livre.

Siqueira ressaltou que o mundo todo se espanta com a abundância de fontes de energia renovável no Brasil. “São fontes complementares: a hidráulica gera mais no período úmido, enquanto a eólica gera mais no período seco.” Essas vantagens se diluem, porém, em consequência de diversos fatores relacionados ao planejamento, expondo o sistema ao risco de falta de energia para suprimento. Um dos fatores é o atraso no investimento em linhas de transmissão; outro é a utilização de um modelo de simulação de cenários hidrológicos que não considera, por exemplo, as condições atuais dos reservatórios mais antigos – que com o passar dos anos perdem produtividade em razão do assoreamento. “Agora, com a iminente necessidade de redução do consumo por causa da falta de chuvas, os técnicos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) divulgaram que será necessário economizar de 4% a 5% da carga, enquanto as simulações da PSR indicam 8%. A diferença está no modelo; 8% é uma restrição razoável, mas pode chegar a 20% se as medidas de racionamento forem adiadas para 2015. É o grande risco daqui pra frente, com forte impacto na economia!” – alertou o consultor.

Térmica no Brasil é loucura para emissões

“Desenvolvimento e produção de energia são variáveis interligadas” – definiu Philipe Joubert, presidente executivo da Global Electricity Initiative e conselheiro do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD): “No Conselho Mundial de Energia se discute um ‘trilema’: a energia deve ter preço acessível, para não impactar os mais pobres; deve ser segura em termos de fornecimento – não depender de fontes externas, por exemplo; e tem de respeitar o meio ambiente, com impacto mínimo sobre os recursos naturais e no que se refere às emissões. Sem atender a esses três fatores, não há solução viável”. Joubert disse que “não resistem à análise dos fatos” as conversas sobre “a energia renovável estar ganhando a batalha”, porque “só com as usinas a carvão e gás em construção vamos ultrapassar a emissão de 1 trilhão de toneladas de CO2, que é o máximo suportável pelo planeta”.

Quanto à atual situação aqui, Joubert relatou que “não se entende o fato de o Brasil usar térmicas na base, aumentando emissões; é uma loucura, com toda essa riqueza de renováveis, embora as térmicas sejam necessárias na ponta e como back up”. Ele vê um “grave erro de planificação com os problemas de transmissão, uma operação errada que eleva o preço e tem consequências desastrosas”. Comentou ainda que é necessário planejar a transição para uma matriz mais limpa, a fim de evitar impactos desfavoráveis, acrescentando que “não há como solucionar a questão climática se não atacarmos o problema das cidades, da eficiência da distribuição energética”.

Para Joubert, a mudança climática é uma realidade hoje, e não uma hipótese e, portanto, as estatísticas passadas não são mais um bom indicador para planejar o futuro. “A mudança no regime hidrológico, por exemplo, é uma realidade que deve ser levada em conta no planejamento da disponibilidade de água. A interação água-energia é provavelmente nosso maior desafio a curto prazo, particularmente num país como o Brasil, considerando o peso da agricultura e da energia de origem hídrica.

Uma das questões mais críticas, na visão de Joubert, está relacionada ao preço que se paga pela emissão de carbono evitada: “Não vai mudar o comportamento das empresas se o sinal preço não está correto. Hoje o sinal preço do CO2 é uma brincadeira. Está 2 dólares na Europa, grátis no resto do mundo. Isso não incentiva ninguém a mudar. Então é um sonho pensar que vamos mudar a matriz energética para mais limpa sem ter um preço de CO2 que seja pelo menos 50 dólares a tonelada, ou talvez mais”.

Para contextualizar o uso intensivo das térmicas mencionado por Joubert, Siqueira explicou que “as concentrações de eólica no Nordeste e de hidráulica no Norte não suprem a demanda do Sudeste [62% do total] nas épocas de pico; daí temos de apelar para térmicas”. Essa distorção deve se aprofundar no futuro próximo: “Belo Monte vai gerar 100 unidades de energia de janeiro a março, mas apenas 5 unidades no período seco do sistema Sudeste, que é no segundo semestre, exatamente quando há demanda máxima. Um planejamento correto diminuiria muito a quantidade de térmicas que precisamos colocar. Falta uma discussão mais ampla, com a participação da sociedade”.

A abundância de elementos para produzir energia renovável permite diversificar e descentralizar a matriz, na opinião do diretor de Políticas Públicas do Greenpeace, Sérgio Sá Leitão. “A descentralização está na raiz de uma questão fundamental: é preciso quebrar os monopólios que dominam a gestão do sistema elétrico no Brasil” – apontou. “Não é índio, não é ambientalista que trava a expansão do sistema elétrico, não é hidrelétrica com grande reservatório. O que atrasou as usinas do Madeira foi a briga das duas maiores construtoras do país, que não se entenderam sobre a divisão do butim! E o governo não teve força pra regular isso em nenhum momento. Como não tem até hoje. A briga dos consórcios não acabou.”

Sá Leitão fez coro, também, às críticas ao “planejamento do setor, que continua nos anos 1950, fazendo o casamento da curva de demanda econômica com a curva de expansão do sistema, quando o mundo procura operar no sentido contrário, procurando produzir mais unidades do PIB com menor consumo de energia”.

Eficiência energética

“Implementação da Eficiência Energética e o Papel do Setor Privado” foi o tema abordado na segunda sessão de debates, com mediação de Adriano Nunes, diretor de Inovação e Sustentabilidade da Intercement, empresa do grupo Camargo Correa. Ao traçar um panorama sobre a questão na legislação e dos programas do governo brasileiro, Álvaro Furtado Leite, diretor da Cenergel – Consultoria em Sistemas Energéticos, salientou a falta de um instrumento de governança para o tema no sistema brasileiro, “como há no setor elétrico o ONS, órgão privado sem fins lucrativos, modelo que poderia ser seguido para a implementação do Plano Nacional de Eficiência Energética”, que existe desde 2010. Na opinião dele, “incentivo fiscal é o ponto em que o Brasil mais falha”: “Um raio X na tarifa mostra dezenas de tributos: 22% ficam para a concessionária, o resto é imposto. Quem está pagando? Somos nós. Gordura pra dar incentivo à eficiência energética pela tarifa com certeza existe. A forma de tarifação não incentiva a indústria do setor elétrico a realizar esse investimento”.

O coordenador de Usos Finais de Energia da AES Eletropaulo, Fernando Bacelar, concordou que “o governo tem de abrir mão de alguns impostos, para incentivar de fato a eficiência energética e a entrada das fontes alternativas no sistema de forma mais consistente”.

Por Sávio de Tarso, da Envolverde

Fotos: Clóvis Fabiano