O patrocínio de escolas de samba por empresas gera polêmica, mas traz as agremiações para outro padrão de gestão e de qualidade nos desfiles.   

Por Jorge Abrahão*

Não foi sem polêmicas que o patrocínio pelas empresas na cultura e no esporte conquistou espaço aqui no Brasil. Um dos últimos redutos que ainda faltavam nas planilhas de marketing dos executivos era o carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro.

Na verdade, desde a inauguração do Sambódromo carioca, em 1984, e do paulistano, em 1991, e com a transmissão ao vivo pela TV para canais internacionais, o desfile das escolas de samba, especialmente as do Rio de Janeiro, tornou-se um espetáculo global. Por isso, os carnavalescos, muitas vezes atendendo pedidos das próprias escolas, inventam carros alegóricos, adereços e fantasias cada vez mais luxuosos e complexos. Isso exige dinheiro e a verba pública destinada a cada agremiação não cobre as despesas.

A venda de fantasias para turistas, gente de fora da escola – outro motivo de polêmica –, também não vinha suprindo as necessidades de caixa, porque o regulamento da Liga das Escolas de Samba estabeleceu um limite para esse tipo de participante.

O aporte de recursos feito por bicheiros e chefes do tráfico também foi ficando impossível, na mesma medida em que a festa se globalizava e atraía a atenção da imprensa e de milhões de telespectadores de centenas de países.

Então, o jeito foi apelar para as empresas. E, para fazer isso, as escolas de samba precisaram mudar. Primeiro, a gestão. Tiveram de ter uma organização mínima, com uma área administrativo-financeira, documentação em ordem, funcionários regulares e uma planilha de custos para apresentar os números do enredo que justificasse o pedido de patrocínio.

As resistências foram grandes nas próprias empresas e entre os sambistas e pessoas ligadas ao samba e aos meios culturais.

Do lado das companhias, havia a apreensão de associar o nome da marca ou mesmo da empresa a uma agremiação cujos dirigentes poderiam, depois, estar nas páginas policiais. Do lado das escolas de samba, o medo era perder simpatizantes e gente da comunidade, pessoas que durante o ano fazem o imprescindível trabalho voluntário que garante o samba na rua, ainda que haja centenas de trabalhadores pagos para as tarefas mais especializadas. Também havia o receio de que o patrocinador quisesse interferir no ritmo da bateria, ditar a organização das alas e mandar na letra da música.

No entanto, parece que as arestas foram aparadas e, desde o ano 2000, as empresas vêm apoiando com quantias variadas as escolas de samba não só do Rio, mas de São Paulo e de outras cidades do país.

Regra para o patrocínio das escolas

Tanto no Rio quanto em São Paulo, o regulamento das ligas que representam as escolas impede a apresentação de marcas ou qualquer tipo de merchandising implícito ou explícito na passarela. Mas eles podem vir mencionados nas letras dos sambas-enredos ou nos títulos. Isso já aconteceu em São Paulo, por exemplo. Em 2009, a Rosas de Ouro veio com o enredo “O Cacau é Show”, patrocinada pela marca Cacau Show.

Embora as empresas não interfiram na escolha dos temas, a tendência das escolas tem sido, cada vez mais, escolher sambas que atraiam patrocínio. Assim, no carnaval deste ano, o Salgueiro levou para a avenida um enredo sobre sustentabilidade, tendo, por isso, conseguido o patrocínio da Renault/Nissan, entre outras empresas. Já a Unidos da Tijuca, que se sagrou campeã ao homenagear o piloto Ayrton Senna, teve como patrocinadores a Shell, a Audi, a Credicard e a Gillette.

No ano passado, a campeã do carnaval carioca foi a Unidos de Vila Isabel, com o enredo “A Vila Canta o Brasil, Celeiro do Mundo – Água no Feijão Que Chegou Mais Um”, que exaltou a agricultura brasileira, com o patrocínio da Basf. A vice-campeã foi a Beija-Flor, com um enredo que falou do cavalo manga-larga marchador, patrocinada pela Associação Brasileira dos Criadores de Cavalo Manga-larga Marchador.

Para os especialistas, os patrocínios privados trouxeram novo patamar ao carnaval e devem evoluir mais, pois carnaval é uma das maiores manifestações culturais do Brasil e precisa da colaboração das empresas.

Patrocínio coletivo

Nem empresas, nem escolas revelam o montante investido nos desfiles, ao longo desses anos, e o legado deixado para as comunidades das escolas, além do carnaval. Por isso, vale a pena refletir sobre o modelo de patrocínio que a tradicionalíssima Mangueira lançou em 7 de fevereiro último.

Anunciado como “o maior patrocínio da história do carnaval”, o modelo foi apresentado numa coletiva de imprensa no barracão da escola. Trata-se de um projeto inovador de captação de recursos pela internet, chamado “Patrocinador Apaixonado”.

Por meio de uma plataforma virtual, pessoas físicas, microempresas, médias e grandes empresas poderão fazer doações em dinheiro para a Mangueira, sem quantias ou periodicidades pré-definidas.

A verba arrecada será direcionada para custear o desfile da escola no Grupo Especial e da escola mirim – a Mangueira do Amanhã –, os avanços tecnológicos, as reformas e a manutenção da quadra, do barracão e das demais instalações da escola, bem como dos diversos projetos sociais da comunidade. Dos recursos captados, 4% ficarão retidos para pagar impostos.

A Mangueira também vai contar com as verbas da Liga das Escolas de Samba e da Prefeitura do Rio. Mas, esse dinheiro não é suficiente para cobrir as despesas nem mesmo do desfile. Então, em vez de bater na porta das empresas em busca de patrocínio, a escola resolveu apostar na paixão que desperta em milhões de pessoas espalhadas pelo mundo. Uma pesquisa revelou que há pelo menos 30 milhões de mangueirenses no Brasil e em vários países dispostos a colaborar financeiramente com projetos ligados à Verde e Rosa.

A escola promete trabalhar de maneira transparente, divulgando balanços das contribuições a cada seis meses, especificando a aplicação delas.

O primeiro doador ao projeto foi o passista Carlinhos de Jesus, que contribuiu com R$ 300,00.

Esse modelo é único no cenário do carnaval e muito pouco usado ainda no Brasil entre aqueles que precisam arrecadar dinheiro para realizar projetos. É o chamado crowdfunding, um financiamento para além da necessidade imediata, vinculado a uma “causa”.

Enfim, o carnaval também nos leva a refletir sobre o papel das empresas. Elas devem simplesmente patrocinar a agremiação, exigir contrapartidas de sustentabilidade ou interferir nos enredos? E por que não informam as quantias investidas nas escolas? Esses patrocínios afastam as escolas da comunidade? O crowdfunding da Mangueira é um modo de manter o vínculo e direcionar o dinheiro para todos e não apenas para o carnaval?

É para refletir.

Quem quiser conhecer melhor o modelo de financiamento da Mangueira pode acessar o site http://mangueira.patrocinadorapaixonado.com.br/.

* Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos.

Legenda da foto: Unidos da Tijuca vence o Carnaval do Rio com homenagem a Senna e patrocínio da Shell, Audi, Credicard e Gillette