Mesmo em recessão, esses países mantêm programas de sustentabilidade que servem de exemplo para nós, como em Barcelona e Amsterdã.

Por Jorge Abrahão*

Hoje é dia de um jogão, como se diz: Espanha versus Holanda, reedição da final da última Copa. Não vamos entrar em detalhes sobre como os times estão escalados. Quero aproveitar esse momento para comentar como os países se comportam em relação à sustentabilidade.

Mesmo em recessão, esses países mantêm programas de sustentabilidade que podem servir de exemplo para o Brasil. Vamos verificar o que duas importantes cidades fazem em termos de mobilidade urbana: Barcelona e Amsterdã.

Barcelona, na Espanha, é considerada um exemplo de mobilidade urbana no mundo.

O planejamento urbano de Barcelona se destaca pela sua política de espaço público que, unida a outras posturas urbanas, a torna conhecida como o Modelo Barcelona. As constantes intervenções no sistema viário da cidade e na infraestrutura de transporte público, buscando a melhoria do funcionamento da cidade assim como o bem-estar de seus habitantes, exemplificam o fato de ela ser referência para muitas cidades. A implantação do veículo leve sobre trilho (VLT) como uma opção de transporte adequada foi responsável por uma renovação urbanística ao longo do seu trajeto.

O importante é que Barcelona não esperou até que o trânsito atingisse um ponto caótico para adotar medidas que favorecessem a população, via transporte público.

Em 1998, a cidade criou o Pacto de Mobilidade, uma ferramenta para promover a consulta à população e a participação conjunta entre setor público, associações e entidades para criar um modelo de mobilidade desejado.

Administrado pela prefeitura, o pacto é um organismo vivo que evolui de acordo com os novos desafios gerados pela cidade. É uma mesa de diálogo e de compromisso recíproco, uma fórmula para chegar a acordos.

As 10 principais metas desse pacto são:

• Conseguir um transporte público de qualidade e integrado;
• Manter velocidades de percurso e melhorar a velocidade do transporte público de superfície;
• Aumentar a área e a qualidade da rede viária dedicada aos pedestres;
• Aumentar o número de locais para estacionamento e melhorar a qualidade dos mesmos;
• Melhorar a informação e a formação para os cidadãos, bem como a sinalização de trânsito;
• Obter uma legislação adequada para a mobilidade da cidade;
• Melhorar a segurança nas ruas e o respeito entre os usuários dos diferentes modos de transporte;
• Promover o uso de combustíveis mais limpos e o controle da poluição e do ruído causados pelo tráfego;
• Promover o uso de bicicletas como modo habitual de transporte;
• Conseguir uma distribuição urbana de mercadorias e produtos rápida e organizada.

Depois de Barcelona, a ideia foi repetida em muitas cidades espanholas.

Resultados positivos

Depois de 12 anos, o Pacto de Mobilidade de Barcelona conseguiu excelentes resultados, como a ampliação da rede de metrô, que já atinge grande parte da cidade, com 117 quilômetros de extensão, e a reintrodução, em 2004, do Tranway elétrico como meio de transporte de massa, especialmente para ligar as cidades da região metropolitana. Também foi implantada a integração dos transportes públicos, que permite transferências entre os diferentes meios de transporte sem ter que pagar um novo bilhete. Além disso, criou-se uma extensa rede de ciclovias e se mantém uma rede de estações automáticas de aluguel de bicicletas distribuídas por toda a cidade (serviço Bicing). A novidade agora é o início da instalação de pontos para recarga de veículos elétricos.

Em Amsterdã, mobilidade valoriza a cultura local

Amsterdã foi construída em volta do rio Amsted e por isso tem características únicas. A cidade passou por um processo de drenagem para que pudesse ser habitada, o que fez com que suas ruas ficassem abaixo do nível do rio e do mar. Assim, o planejamento da cidade foi realizado de forma a manter a qualidade de vida e evitar problemas oriundos do cenário no qual ela se insere.

Dessa mesma forma meticulosa foi planejado o tráfego. Não há prioridade para um tipo de transporte, mas sim para a articulação entre eles no espaço público. Nas ruas, intercalam-se bicicletas, carros, trens e bondes, além de ilhas e calçadas para os pedestres. Graças a essa integração, a cidade se movimenta constantemente, sem a pressa característica das grandes cidades.

A elaboração do plano local de mobilidade se deu a partir da integração das secretarias de Transportes, Habitação e Meio Ambiente. Com o plano, houve também uma categorização das ruas da cidade, de forma a selecionar os meios de transporte a serem utilizados nas diferentes vias, de acordo com sua infraestrutura e com a função no território. Os museus, por exemplo, têm uma rota mais indicada para trajetos de bicicleta ou a pé, mas são bem servidos por transporte público.

Essa iniciativa facilitou o planejamento público sobre a mobilidade da cidade, principalmente no que tange à limitação dos automóveis sobre outros meios de transporte, a melhoria na rede pública de transportes e o aumento do número de deslocamentos a pé e de bicicleta. E, assim, a divisão do espaço público para as diferentes formas de circulação permitiu o acesso de maneira diversificada em relação às distintas funções da cidade. Os resultados têm sido muito bons. A prefeitura levantou os seguintes números:

• Atualmente, um terço das viagens é feito por carro, enquanto 36% são feitos por transporte público, 27% por bicicletas e 4% a pé;
• As bicicletas se tornaram parte integral da vida das pessoas, sendo que 58% da população faz uso delas diariamente;
• Não haverá grandes investimentos em mais calçadas ou mesmo em ciclovias, estando previstos apenas novos trechos de ciclovia periféricos até 2025;
• Os estacionamentos do centro da cidade praticamente deixarão de existir e se concentrarão em zonas periféricas, para que a área central fique livre de congestionamentos. Essa medida será combinada com a tentativa de desenvolver os confortos urbanos nas áreas periféricas da cidade, como a criação de escolas, de centros comerciais e de serviços diversos.

* Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos.

Fotos: Tramway em Barcelona e bicicletas em Amsterdã.