Os desafios a serem enfrentados pela humanidade para frear o aquecimento da temperatura requerem a coletividade, a união e integração entre as nações. Além disso, por trás do problema, há grandes dilemas que ainda precisam de resposta.

Em maio de 2016 foi instituído o Plano Nacional de Adaptação no Brasil. Como parte das metas prioritárias e dos objetivos específicos do documento, há a criação de um sistema de financiamento e incentivos econômicos para a promoção de medidas de adaptação à mudança do clima. A estratégia a ser implementada no Brasil, idealmente, vai contemplar a cooperação entre órgãos públicos e sociedade. Além disso, a atuação dos governos federal, estadual e municipal será crucial para uma ação coordenada e organizada no país. Atualmente, recursos destinados à adaptação estão sendo levantados em âmbito global. Os principais fundos internacionais são o Least Developed Countries Fund (LDCF), Special Climate Change Fund (SCCF), Strategic Priority on Adaptation (SPA), Adaptation Fund (AF) e Green Climate Fund (GCF). Entretanto, a quantidade de investimentos que alocam, bem como quem pode ou não acessá-los, são perguntas que ainda carecem de resposta. O Instituto Ethos, por meio do Fórum Clima, grupo de empresas cujos esforços se voltam para frear o aquecimento global, iniciará uma investigação sobre o tema, aprofundando-a com o tempo.

Conhecer as formas de financiamento é primordial. Mas não devemos esquecer que, por trás disso, existem outras dúvidas essenciais. Por exemplo, como a mudança do clima vai afetar cada segmento da sociedade? Quanto e para quem pagará a população? Como fica a divisão dos custos entre todos, já que se trata do maior desafio da humanidade e os países tiveram participação distinta — uns mais, outros menos — no processo que desencadeou o aquecimento global? E o que acontece com quem não emitiu tantos poluentes, mas não conseguiu se desenvolver plenamente? Antes de saber como funcionarão os investimentos, é preciso entender a justiça e a ética em torno do assunto.

Por se tratar de algo de nível internacional, qualquer postura poderia gerar sérios dilemas éticos e de equidade entre os indivíduos, as nações, as gerações, os seres vivos. O mundo precisa compreender e concordar que deve se unir, em vez de pensar individualmente e se opor ao aumento das emissões. Ao mesmo tempo, as vulnerabilidades de cada país face aos impactos da mudança climática são distintas e, muitas vezes, quem poluiu menos está sofrendo ou poderá sofrer as consequências de forma mais severa do que os que já poluíram muito. Por exemplo, um recente estudo de Althor, Watson e Fuller, concluiu que, dos 36 países mais emissores do mundo, 20 são menos vulneráveis aos danos causados pela elevação da temperatura. Por outro lado, 11 dos 17 países com níveis baixos ou médios de emissões de gases-estufa terão grandes prejuízos. Essa discrepância é injusta e requer uma conduta global coordenada e colaborativa. E restam as perguntas: quem emite mais? Quem emite menos? Quem sofre mais? Quem sofre menos? Deve-se focar mais os benefícios para todos e menos a individualidade da culpa ou do sofrimento, para que se evite mais desgastes.

Outro ponto importantíssimo é o fato de as emissões continuarem. A liberação de uma unidade de gás do efeito estufa hoje pode permanecer na atmosfera por um longo período, prolongando impactos por séculos. Ou seja, a poluição do passado afeta gerações futuras, que não colaboraram para isso. Além disso, há mais uma grande injustiça, sobretudo se considerarmos que os efeitos das alterações climáticas sejam cumulativos. Nesse caso, os dilemas éticos são ainda mais desafiadores, já que soluções que envolvem gerações distintas podem ser mais difíceis de acontecer, por ocorrerem em épocas diferentes.

Ainda temos de falar sobre o valor moral da natureza e dos seres vivos (não humanos) e se devemos ou não proteger as espécies e os ecossistemas, e de que forma isso deve ser feito. Nos dias atuais, as ferramentas de tomada de decisão destinadas à proteção do meio ambiente ainda enfrentam muitas incertezas científicas e, por isso, adotar o princípio da precaução pode ser uma maneira adequada de lidar com o problema. Esse preceito surgiu na Convenção sobre a Diversidade Biológica, assinada em 1992, e preconiza que, se uma ação acarretar um dano irreversível público ou ambiental, na ausência de consenso científico o ônus da prova é de quem causou o estrago.

Sobre as atividades do Ethos, a organização trabalha com questões relacionadas à ética desde sua fundação, em 1998. O Pacto Empresarial pela Integridade e contra a Corrupção, criado em 2006, vem estimulando o setor empresarial a incorporar práticas de integridade em seus planos de negócio. A temática dos direitos humanos e da igualdade de gênero e raça também são abordadas no Grupo de Trabalho de Empresas e Direitos Humanos. Além disso, em 2009, o instituto fundou o Fórum Clima, que engaja empresas na busca por soluções para a alteração do clima. Em 2016 e 2017, o grupo vai produzir duas publicações sobre financiamento em adaptação e o guia temático de mudança climática, no qual serão tratados os indicadores para as companhias conduzirem suas práticas corporativas, com foco em tomadas de decisão estratégicas, precificação de carbono e justiça e ética.

 

Por Flavia Resende, do Instituto Ethos.

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