A contribuição nacional aponta decididamente para a descarbonização da economia. Até 2030, o país quer estar bem avançado nesse processo.
Por Celina Carpi*
A presidente Dilma Rousseff anunciou, no final da semana passada, durante a Conferência das Nações Unidas para a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, a contribuição brasileira para o acordo sobre mudança climática que será adotado na Conferência de Paris (COP 21), em dezembro.
Trata-se da Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida (INDC na sigla em inglês). Todos os países-membros da ONU que vão à COP 21 precisam apresentá-la. A INDC foi instituída durante as conferências do clima de Varsóvia (COP 19) e de Lima (COP 20), como ferramenta para facilitar as negociações do acordo climático.
Um dos objetivos da INDC é fazer com que os países que vão participar da COP 21 comprometam-se, antes da conferência, com metas que planejem cumprir. Com isso, espera-se evitar o impasse da COP 15, em 2009, em Copenhague. Na ocasião, havia grande expectativa por um ambicioso acordo global sobre clima, que acabou não ocorrendo porque os países, principalmente aqueles mais industrializados, não quiseram se comprometer com metas globais. Muito embora governos como o do Brasil tenham assumido metas de redução de emissões de GEE voluntariamente, o acordo obtido foi considerado pela comunidade internacional muito fraco, desprovido de força jurídica.
Para que a situação não se repita em Paris, os países informam antes os esforços que vão fazer pelo clima. Essas informações ajudarão a preparar as negociações e a definir objetivos comuns mais facilmente.
O Fórum Clima, grupo de empresas coordenado pelo Instituto Ethos, desde sua criação, em 2009, vem estimulando o setor privado, a sociedade e o governo a assumir e detalhar metas ambiciosas para enfrentar o aquecimento global e as mudanças do clima. Recentemente, lançou uma nova versão da Carta Aberta ao Brasil sobre Mudança do Clima, na qual anuncia nove compromissos para promover a economia de baixo carbono.
Vamos, então, analisar o que o Fórum Clima propôs e as metas assumidas pelo Brasil na contribuição anunciada pela presidente em Nova York.
- As metas de redução de carbono, anunciadas pelo governo, estão de acordo com o que o Brasil pode fazer?
Sim. O Brasil anunciou uma meta absoluta de redução de 37% das emissões, com base no ano de 2005, até 2025. É uma meta audaciosa, justamente por ser absoluta e abranger toda a economia brasileira. Ou seja, a porcentagem será aplicada diretamente nas emissões medidas e vale para todos os segmentos da atividade econômica.
Como esses números foram discutidos com o setor empresarial, o governo dá uma importante sinalização de que realmente vai trabalhar para descarbonizar a economia brasileira.
Essa meta absoluta também indica que, no longo prazo, o governo pretende trabalhar em nível nacional e global para limitar o aumento da temperatura em 2 °C. A própria COP 21 já fala em aceitar quase 3 °C. O Brasil, portanto, defende uma posição mais avançada, em favor, por exemplo, dos países-ilhas que podem desaparecer se a temperatura da Terra aumentar em mais de 2 °C.
Outro aspecto é que a meta absoluta não está condicionada a apoio internacional. O Brasil quer cumpri-la, independentemente do que sinalizarem outros países.
Vale ressaltar mais um ponto positivo na contribuição: o de incluir o compromisso de apresentar propostas que respeitem os direitos humanos, as comunidades vulneráveis, as populações indígenas, as comunidades tradicionais e os trabalhadores de todos os setores, contemplando medidas que consideram questões de gênero.
- Podemos esperar protagonismo brasileiro nas negociações de Paris, como ocorreu em Copenhague, em 2009?
Sim. A liderança brasileira nas negociações de Paris fica reforçada pelos fatos que acabei de comentar. Outro ponto da contribuição nacional que permite prever o protagonismo brasileiro: ao apresentar uma meta de redução para 2025 e outra para 2030, o país se alinha àqueles que querem revisão de metas a cada cinco anos (contra a corrente que propõe revisão a cada dez anos). O Brasil fará revisão quinquenal independentemente de apoio internacional. Isso implica que, nos próximos anos, a meta só aumentará, reforçando a possibilidade de uma redução efetiva até 2030 de, no mínimo, 43%, relativa aos valores de emissão de 2005. Aliado com as propostas nas áreas de energia, agricultura e florestas, isso faz prever que o Brasil certamente manterá o seu papel já tradicionalmente protagonista, de importante negociador e influenciador nos acordos internacionais em clima.
- Há pontos de melhoria nessa contribuição?
Há questões que podem ser melhoradas, mais bem refletidas ou dialogadas. Por exemplo, o governo poderia divulgar as fontes consultadas para chegar aos números e porcentagens de redução de emissões que estabeleceu. Outro ponto é sobre a meta de desmatamento ilegal zero para a Amazônia. Só para a Amazônia? E os outros biomas, como o cerrado, que também vêm sofrendo com desmates? É urgente que a meta de eliminação do desmatamento no Brasil não só se estenda para todos os outros biomas do país, com destaque para o cerrado, mas também seja antecipada o quanto for possível. Conviver com práticas ilegais de desmatamento até 2030 para a sociedade brasileira é inaceitável
Quanto à energia, é possível estabelecer uma meta mais audaciosa, de pelo menos 50%, oriunda de fontes renováveis na matriz energética até 2030.
- Que impactos essa contribuição vai promover na economia brasileira ?
A contribuição nacional aponta decididamente para a descarbonização da economia brasileira. Até 2030, o país quer estar bem avançado nesse processo. Isso exige a criação de políticas públicas e de ferramentas que promovam a redução das emissões de GEE e o sucesso das metas em agricultura, energia e florestas.
O Fórum Clima defende mecanismos que aumentem os incentivos para inovação e tecnologia que contribuam para a consecução das metas propostas. É preciso dialogar com amplos setores da sociedade sobre essas metas e as decorrentes políticas, pois elas mudarão bastante a maneira de produzir e consumir que até aqui adotamos. O diálogo vai mostrar que as propostas da contribuição nacional apresentam vantagens para todos os setores e para toda a sociedade. A economia de baixo carbono é uma vantagem comparativa e competitiva para as empresas e para o Brasil.
* Celina Carpi é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos.
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