Na opinião dos especialistas Carlos Nobre, Sergio Abranches e Fabio Feldman, sim. Em um evento no Instituto Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, os três experts em mudança do clima comentaram as questões mais relevantes até o momento sobre os desdobramentos do novo acordo de Paris: quais são suas implicações políticas, nacionalmente e internacionalmente? Quais são os principais riscos que poderiam ameaçar a sua efetividade? E como o Brasil enfrentará tais desafios, levando em consideração a crise pela qual estamos passando?
Nobre, que atua no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e é membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), apresentou alguns dados bastante preocupantes que poderiam pôr em xeque o bem-estar da vida humana no planeta. Segundo ele, manter o limite do aumento da temperatura tem uma importância vital para toda a população, já que há estudos que alertam para o limite fisiológico do corpo humano às mudanças extremas de temperatura. Expostos a condições específicas de temperatura e umidade, poderemos não resistir a certos impactos. Em alguns casos, dependendo dos fatores aos quais as pessoas se submetem, seria necessário estar constantemente no ar-condicionado, para evitar colapsos. Portanto, áreas como Rio de Janeiro, Manaus e Belém enfrentarão grandes desafios de adaptação nos próximos tempos.
Os números também são alarmantes se consideramos que existe uma probabilidade de 20% de a temperatura global aumentar 7°C, caso as projeções de emissões de gases do efeito estufa sigam a tendência atual. E uma das principais consequências desse aumento da temperatura é a elevação do nível do mar. Ao limitar o aumento da temperatura em 1,5°C, os países signatários da Convenção do Clima demonstram uma importante ambição em suas metas para a redução do carbono, mas a tendência de elevação do nível do mar se mantém: estima-se que daqui 200 anos o nível do mar subirá 2 metros. Ainda assim, Nobre afirma que com o limite de 1,5°C a biodiversidade já sofrerá grandes impactos.
Dependendo do risco climático a adaptação não será possível, como é o caso dos países insulares. Prevê-se que algumas ilhas serão submersas em decorrência da subida do mar e não terão como se adaptar a tal consequência — a única saída será a migração.
Do ponto de vista empresarial, as seguradoras e resseguradoras têm tido uma participação bastante pertinente no tema de adaptação aos riscos climáticos: diferentemente da comunidade científica, que lida mais com os riscos proporcionados pelo aquecimento global, elas se voltam para as possibilidades de outra forma. Empresas como Swiss Re e Munich Re vêm protagonizando a discussão sobre como seus clientes serão assegurados quando estiverem ameaçados pela elevação do nível do mar, pela maior ocorrência de enchentes, secas e outros eventos climáticos que tenderão a ficar cada vez mais extremos.
Nobre ainda fez um paralelo do modo com que a mudança do clima é tratada em relação ao que acontece na área de saúde: as probabilidades são tratadas de forma menos conservadora, ou seja, mesmo com uma maior incerteza entre as correlações de causa e efeito, as organizações atuantes na saúde têm uma resposta muito mais rápida e eficiente do que as que lidam com as questões climáticas. Um grande exemplo disso é a agilidade em tentar evitar a proliferação da Zika e observar sua relação com a microcefalia.
Os desafios tecnológicos a serem vencidos serão árduos e a maior dificuldade vai ser desenvolver métodos de retirar os gases de efeito estufa da atmosfera. Mas para concretizar outras grandes transformações não há mistério: a reforma do setor energético, por exemplo, depende apenas da participação de energia solar e eólica na matriz brasileira, que já é uma tendência, não existindo mais barreiras tecnológicas. No setor de agricultura, no entanto, produzir mais em áreas menores demanda esforços maiores. Mas no Brasil os setores privado e público já estão atentos a isso, estudando soluções viáveis para o médio prazo. Para o desenvolvimento de novos mecanismos e tecnologias que poderão mudar a vida no planeta diante das mudanças do clima, é preciso engajar investidores na discussão e mudar os padrões tradicionais de investimento. Os subsídios para a exploração e a produção de combustíveis “fósseis” ainda ultrapassam em muito o financiamento dos biocombustíveis.
Na visão de Abranches, especialista em ecopolítica, as negociações em Paris foram bem-sucedidas, em parte porque a diplomacia francesa conseguiu desamarrar muito bem questões que tradicionalmente as emperravam e reconheceu a liderança e importância dos negociadores brasileiros nesse processo. Os Estados Unidos são um dos países mais importantes para a efetividade do acordo. Sem sua adesão e a da China, Paris teria sido um fracasso.
O desafio, portanto, está na implementação do acordo em nível nacional, na criação de medidas por cada signatário, que façam as coisas caminharem bem. Em ano de eleições presidenciais nos Estados Unidos, precisamos estar atentos ao que pode acontecer. No dia 22 de abril, acontecerá a cerimônia de assinatura do documento e pelo menos 55 países, que respondam por no mínimo 55% das emissões globais de gases do efeito estufa, precisam ratificar o acordo para que ele entre em vigor.
Feldmann, advogado e ambientalista, mencionou a importância do engajamento do setor empresarial e do governo brasileiro na questão da precificação de carbono. As grandes perguntas ainda não respondidas são: quanto custará a transição para uma economia de baixo carbono? Quem arcará com os custos e como financiaremos tais mudanças? O Brasil precisa fazer parte desse debate. Diversos países já estão implementando, de forma experimental ou não, mercados e taxação de suas emissões. Nacionalmente, temos importantes iniciativas ligadas ao tema, mas ainda não existe uma definição sobre como vamos solucionar a questão do financiamento climático. Para fazer isso acontecer, é essencial a participação do setor empresarial e da sociedade civil nas discussões sobre o tema.
O Fórum Clima e as perspectivas de ações em 2016
O grupo vai dar continuidade ao importante trabalho de articulação iniciado em 2015, com o objetivo de engajar o setor empresarial nas negociações internacionais de Paris. Os integrantes revisaram seus compromissos e as propostas feitas ao governo em 2015, além de fortalecer a atuação da Iniciativa Empresarial em Clima (IEC), em parceria com o Conselho Empresarial Brasileiro pelo Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (GVces), o Carbon Disclosure Project (CDP), a Rede Brasileira do Pacto Global das Nações Unidas e a Envolverde.
Em 2016, o Fórum Clima estabelecerá um diálogo entre o governo e o setor empresarial para a implementação da INDC brasileira e cumprirá com os compromissos da Carta Aberta ao Brasil de 2015. Paralelamente, outro grupo do Instituto Ethos, focado em economia sustentável, vai acompanhar as questões de precificação de carbono, mercado e taxação. O principal objetivo desse novo time será identificar a importância estratégica dos incentivos e desincentivos nos âmbitos público e privado para a consolidação de uma economia de baixo carbono e sustentável.
As entregas e os resultados desse plano de trabalho serão realizados em três grandes momentos de 2016, promovidos pelo Ethos: a primeira Conferência Ethos 360° regional, que vai ocorrer no Rio de Janeiro, pouco antes da Olimpíada e Paralimpíada, a edição de 2016 da Conferência Ethos 360°, em setembro, na cidade de São Paulo, e outra Conferência Ethos 360°, em Recife, no final do ano. Esses três eventos serão marcados por três grandes acontecimentos no Brasil: a Olimpíada e Paralimpíada, as eleições municipais e a cerimônia de ratificação do acordo de Paris, em abril, e a COP22, em Marrocos, no mês de novembro.
Por Flavia Resende, coordenadora de Práticas Empresariais e Políticas Públicas do Instituto Ethos.