Por que, em períodos de crise, aparecem propostas de redução de custos das empresas por meio da retirada ou precarização de direitos trabalhistas?

Por Jorge Abrahão*

O historiador Eric Hobsbawm, falecido em outubro de 2012, destacava as diversas histórias que remetem à origem do Primeiro de Maio, ou Dia do Trabalhador. Todas elas começam no final do século 19, com trabalhadores norte-americanos reivindicando jornada de trabalho menor e descanso semanal. Houve confronto com a polícia e mortos.

A reivindicação atravessou o Atlântico e chegou à Inglaterra, à Itália e à França. Nesses países, de industrialização mais avançada na época, os trabalhadores já constituíam os primeiros sindicatos e a proposta de 8 horas de trabalho por dia serviu para unificá-los, não só dentro das fronteiras de cada país como também internacionalmente.

Ainda no início do século 20, a jornada de trabalho de 8 horas diárias deixou de ser o aspecto mais importante das comemorações desse dia. O Primeiro de Maio tornou-se uma data de afirmação de “classe”, um dos únicos feriados do calendário global que não estão vinculados a alguma religião ou a feitos militares.

A redução da jornada foi conquistada em alguns países, mas continua sendo uma demanda atual, bem como o descanso semanal remunerado e condições dignas de vida.

Na verdade, muitos industriais instituíram a jornada de 8 horas antes mesmo de os governos a adotarem como lei. Tais empresários perceberam que as longas horas de trabalho ininterrupto, salários insuficientes e falta de descanso estavam pondo em risco a própria existência do negócio.

Afinal, o operário é também consumidor. Se ele não tem tempo para o lazer, quando vai comprar chocolates, sapatos, livros, jornais, doces, frequentar restaurantes e teatros, enfim, realizar uma série de atividades que movimentam a economia?

Henry Ford, nos EUA, foi um dos primeiros a perceber que dividir o dia em trabalho, lazer e descanso faria um bem enorme à sua empresa (e a todas as demais, por tabela). Em 1914, quebrou paradigmas e implementou a jornada de 8 horas; garantiu também um salário mínimo aos seus empregados – ninguém na Ford Company poderia receber menos do que um determinado piso – e o descanso remunerado. Ford também projetou um tipo de carro que poderia ser produzido em larga escala e a um custo que o tornaria acessível aos trabalhadores com salário decente e tempo de lazer – o Ford T (ou “Ford Bigode”). Com isso, ajudou a transformar a civilização no século 20.

Para surpresa dos outros empresários e dos economistas da época, salários mais altos e jornadas menores aumentaram a produtividade. A rentabilidade da empresa dobrou em dois anos, incentivando outras empresas a adotar a mesma fórmula.

Essa foi a lição de Henry Ford: eficiência é igual a direitos trabalhistas e boa gestão. Esse binômio, quando bem entrosado, garante consumo e lucros. Também ajuda a aumentar a arrecadação de impostos, permitindo que governos façam investimentos na qualidade de vida de todos.

Entre os anos 1920-1940, período bastante convulsionado na história do século 20, regimes à direita e à esquerda adotaram as 8 horas de trabalho e a garantia de salários e férias, inclusive como “remédio” para superar a crise de 1929. Mesmo durante as guerras, os funcionários das fábricas e até os soldados nas trincheiras cumpriam 8 horas de trabalho diário.

Todavia, no século 21, quando já se discute a redução dessas 8 horas, ainda existem trabalhadores submetidos a jornadas extenuantes e em condições tão ruins que esse trabalho é considerado análogo à escravidão.

Portanto, permanece o dilema que levou mineiros ingleses e italianos às ruas, no final do século 19: como fazer a prosperidade econômica chegar a todos?

Buscar essa resposta é um dos motivos pelos quais os trabalhadores ainda se reúnem no Primeiro de Maio em vários lugares do planeta.

O cenário brasileiro

O Dia do Trabalho tornou-se oficial no Brasil em 1925, durante o governo de Artur Bernardes. Esse presidente também instituiu férias anuais de 15 dias e organizou as primeiras caixas de aposentadoria e pensão de trabalhadores, embrião do atual sistema de previdência do país. Em 1940, Getúlio Vargas instituiu o salário mínimo; no ano seguinte, criou a Justiça do Trabalho. E, em 1943, reuniu toda a legislação trabalhista até então existente no que se chamou de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ampliando alguns direitos, como as férias remuneradas de 30 dias e a previdência social.

A CLT, ao regular a relação entre capital e trabalho, garantiu a segurança jurídica necessária para os investimentos na industrialização e na melhoria da infraestrutura do país. Com isso, a economia brasileira cresceu, incorporando milhões de trabalhadores urbanos ao consumo e com acesso a serviços públicos de boa qualidade para a época.

Mesmo assim, o Brasil não conseguiu, ao longo dos anos, encontrar um jeito de distribuir as imensas riquezas produzidas de forma mais equânime por toda a sociedade.

Nos outros países, a partir dos anos 1990, a concentração de renda também aumentou. Um estudo da ONG inglesa Oxfam divulgado em 2014 registrou que, na última década, o 1% mais rico do mundo concentrou 50% da riqueza. Por isso, o desemprego, os baixos salários e as más condições de vida se alastraram, inclusive em países que possuíam alto índice de desenvolvimento humano.

É possível fazer chegar ao trabalhador a prosperidade econômica?

Esta é a reflexão deste Primeiro de Maio, e não só para os trabalhadores. Por que, em períodos de crise – que são passageiros – aparecem propostas de redução de custos das empresas por meio da retirada ou precarização de direitos trabalhistas? Essas políticas ajudam mesmo a superar os obstáculos?

Afinal, menos empregos e menores salários causam impacto negativo na produção de bens e serviços. A retirada de direitos promove insegurança social. Ainda que a conta bancária de alguns poucos melhore, qual é o sentido de se adotarem políticas que contribuam para a queda dos índices de desempenho social e ambiental?

Na verdade, lidar de forma assertiva com questões trabalhistas e financeiras é que leva à superação das crises. Pela ótica da sustentabilidade, o que vivenciamos hoje é uma crise de civilização. O modo de produzir e consumir é insustentável. E, se olharmos apenas o lado econômico-financeiro das contas públicas e dos negócios, só aprofundamos essa insustentabilidade .

Por isso, outro debate se desenrola no mundo do trabalho: é possível reduzir a jornada, trabalhar menos de 8 horas diárias, para aumentar as possibilidades de emprego sem inversão de capital?

Se tomarmos o conceito de “economia criativa”, é possível sim.

Economia criativa é aquela que reúne setores dependentes das ideias e inovação de seus empreendedores e empregados. São negócios que visam lucro, mas têm propósito. Tais empresas transformam criação em produtos e serviços e causam impacto nos setores econômicos tradicionais. Estão distribuídas em áreas como: arquitetura; publicidade; design; artes e antiguidades; artesanato; moda; cinema e vídeo; televisão; editoração e publicações; artes cênicas; rádio; softwares de lazer; e música. Eles impactam construção civil, indústria gráfica, indústria de alimentos, têxtil e até a agricultura.

Nesses setores, a qualidade e o valor do trabalho dependem mais do talento das pessoas do que do tamanho da empresa ou da quantidade de capital que ela possui.

Os desafios do século 21 podem, grosso modo, ser os mesmos de outros séculos, como superar a pobreza e equilibrar atividade econômica e meio ambiente. Mas, mudaram as perguntas. Quais são elas? Uma das maneiras de encontrá-las é transformar a empresa e o negócio em motores de transformação, no rumo do desenvolvimento sustentável. É isso que interessa a trabalhadores e empresários.

* Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos.