Em agosto, o Brasil foi só sorrisos. Com a Olimpíada, olhares de todo o mundo se dirigiram para o Rio, que proporcionou aos estrangeiros muita hospitalidade e o habitual bom humor carioca. Porém, agora chegou a hora de prestar contas.

Durante 16 dias, o Brasil esteve em clima de festa. A cerimônia de abertura dos Jogos Rio 2016, que teve forte pegada socioambiental e apelo ao fim do aquecimento global, arrancou elogios da imprensa internacional. O evento também foi um dos que mais promoveu a diversidade na história, com forte representatividade da população LGBT, tendo desde a participação de transexuais na abertura e o alto desempenho de atletas assumidamente gays até um pedido de casamento no rugby.

Em uma entrevista coletiva no sábado (20), Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), que criticou a organização da Olimpíada pouco antes de seu início, voltou atrás e disse que foi uma edição icônica dos jogos de verão, já que foi nela em que grandes atletas, como Usain Bolt e Michael Phelps, fizeram sua última performance e diversos países ganharam medalhas pela primeira vez. Ele afirmou que repetiria a dose e faria o evento no Rio novamente. “Os jogos não estão dentro de uma bolha, eles estão em uma cidade que tem problemas sociais, que vão continuar depois de tudo isso”, afirmou.

Porém, o Brasil enfrentou percalços para ser anfitrião, sobretudo relacionados à execução de obras e à falta de transparência que perpassou o planejamento e a organização.

Faltou transparência na prestação de contas
No final de julho, o Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (MPF) entrou na justiça contra o Comitê Rio 2016 contestando a falta de divulgação de gastos públicos. De acordo com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, antes do início dos jogos o Comitê Rio 2016 angariou R$ 270 milhões, dados pelo governo federal e pela Prefeitura do Rio de Janeiro, para os últimos ajustes das cerimônias de abertura e encerramento. Até julho, o órgão apresentava em seus recursos um déficit de aproximadamente R$ 500 milhões.

Além dos gastos de pouco mais de R$ 7 bilhões (só em infraestrutura), o plano de legado da Olimpíada só foi apresentado um dia antes de seu começo. Segundo uma matéria do Estadão, a falha de transparência é consensual entre as entidades governamentais de fiscalização. O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes, declarou que o planejamento do Brasil para a recepção dos Jogos Rio 2016 é um exemplo de baixa governança. Ele ainda afirmou que o TCU estendeu os prazos para as autoridades responsáveis pela organização atualizarem a Matriz de Responsabilidade, com informações sobre as obras e os serviços, e diversos itens foram retirados para que não se aumentassem as responsabilidades dos responsáveis.

Em junho, o Instituto Ethos soltou um posicionamento contra o decreto de calamidade pública pelo Estado do Rio de Janeiro, que visava receber um repasse emergencial de R$ 2,9 bilhões. Nas palavras do governo fluminense, o montante seria destinado à segurança pública.

Em maio, o TCU fez um levantamento e concluiu que as leis de isenção para a Olimpíada garantiram uma economia de R$ 3,8 bilhões de reais de impostos não arrecadados. Além disso, a Folha de São Paulo divulgou no ano passado que R$ 500 milhões das despesas estavam fora da relação oficial.

Christopher Gaffney, da Universidade de Zurique, apurou uma falha grave de governança: contratos com empreiteiras investigadas pela Operação Lava-Jato foram fechados para as obras dos jogos. Para ele, é natural que haja riscos por trás de grandes eventos, entretanto, ao envolver companhias acusadas de atos ilícitos de ordem financeira, eles aumentam.

Agora, o drama gira em torno da Paralimpíada. Faltando apenas duas semanas para começar o evento, o Comitê Paralímpico Internacional e o Comitê Rio 2016 ainda se concentram em fazer as contas fecharem, em meio a um pacote de cortes. Até a última quarta-feira (17), somente 300 mil entradas (12% do total de ingressos) tinham desencalhado. Em uma entrevista coletiva, Eduardo Paes afirmou que a Prefeitura do Rio poderia ter de fazer um investimento de R$ 150 milhões no evento, devido à pouca procura pelos tíquetes.

O Estado do Rio de Janeiro esteve longe do pódio de transparência
No Índice de Transparência dos Jogos Rio 2016, que mediu o nível de transparência das instâncias de governo envolvidas na organização da Olimpíada e Paralimpíada e cujos resultados foram divulgados em junho pelo Instituto Ethos, identificou-se que o governo estadual fluminense é menos transparente do que a Prefeitura do Rio de Janeiro e o governo federal.

Nos indicadores do bloco Conteúdo, que avaliam a disponibilização de informações acerca de contratos, licitações, andamento de obras, orçamentos, suplementações orçamentárias e renúncias fiscais, o Estado do Rio foi o que apresentou a menor nota, atendendo a aproximadamente 22% das 52 questões. Nos itens sobre a administração pública, no qual são tratados sobretudo contratos e licitações, a situação é mais crítica, já que o governo estadual satisfez apenas 5% das 19 perguntas. A avaliação demonstra claramente que há sinais preocupantes de falta de transparência na gestão pública. Contudo, do momento em que a aplicação do índice foi feita até hoje, certos quesitos mudaram e se a pesquisa fosse refeita provavelmente os resultados seriam diferentes.

O Índice de Transparência dos Jogos Rio 2016 foi um dos trabalhos do projeto Jogos Limpos, que emergiu diante da necessidade de monitoramento e promoção de ações de integridade relacionadas à realização da Copa do Mundo 2014 e dos Jogos Olimpícos e Paralímpicos 2016.

O legado
Antes de mais nada, não apenas o Comitê Rio 2016 como também os governos envolvidos na preparação dos jogos, no caso o poder federal, o estado fluminense e a prefeitura carioca, regularizar sua situação, elaborando relatórios que tragam de maneira centralizada e transparente todo o investimento aplicado no evento. Apesar de isso não ter ocorrido devidamente durante a execução das obras no Parque Olímpico e no transporte da cidade, o que atrapalhou o controle social, ainda é tempo de apresentar o balanço dos recursos públicos despendidos.

A próxima preocupação será de perpetuar o legado dos Jogos Rio 2016 e fazer valer todo o investimento e o esforço do país. O Parque Olímpico da Barra da Tijuca, por exemplo, ocupa uma área de aproximadamente 1,2 milhão de metros quadrados. Estima-se que em 2017 terá algumas áreas para uso público e outras para uso privado. Além disso, contará com um parque.

Na opinião de José Marcelo Zacchi, da Casa Fluminense, “o Rio decidiu não deixar como legado o fim da cidade partida. Houve momentos em que havia condições de avançar na universalização do acesso à cidadania, mas esses esforços ficaram pelo caminho. No que tange à provisão de serviços nas favelas, voltamos a níveis de investimento abaixo do que tínhamos no passado recente”.

Em julho, o Ethos passou a fazer parte da Campanha #Rio2017, que busca articular a sociedade para alavancar melhorias na região metropolitana fluminense, sobretudo após a Olimpíada e Paralimpíada. As instituições participantes do projeto apresentam aos gestores públicos caminhos para a formulação de políticas públicas, o aumento da transparência e a construção de cidades mais justas, democráticas e sustentáveis.

Além disso, o Ethos lançou o Pacto por uma Cidade Transparente e Íntegra. Trata-se de um documento que proporciona uma série de compromissos às candidatas e aos candidatos às eleições municipais. Sabendo-se que a organização que tem como foco engajar empresas em temas essenciais ao país, como a integridade, e 2016 é ano de votar em governantes, vê-se uma grande oportunidade para o debate. Afinal, o(a) próximo(a) gestor(a) do Rio de Janeiro será essencial para definir os rumos do que os Jogos Olímpicos e Paralímpicos deixarão aos cariocas.

 

Foto: Sergio Moraes/Reuters