Papa Francisco divulgou a encíclica Laudato Si’, sobre proteção ao meio ambiente, que faz apelo à ação global contra mudança do clima.
Por Jorge Abrahão*
Na última quinta-feira, dia 17/6, o Papa Francisco divulgou encíclica sobre proteção ao meio ambiente que faz apelo à ação global contra as mudanças climáticas. Chama-se Laudato Si’ (Louvado Sejas) e, para analistas de assuntos do Vaticano, retoma a tradição das encíclicas Mater et Magistra e Pacem in Terris, de João XXIII, e Populorum Progressio e Humanae Vitae, de Paulo VI, todas lançadas durante os anos 1960, no contexto da Guerra Fria, das revoltas estudantis na Europa e dos golpes militares na América Latina.
Essas encíclicas reforçaram o papel social da Igreja Católica, não apenas como “pastora de almas”. Seus seguidores devem se preocupar e participar da vida cotidiana tanto naquilo que diz respeito ao sustento e às condições de sobrevivência como também no que se refere à prosperidade e à civilização em seus múltiplos aspectos, dentro do condicionamento de várias épocas.
A Laudato Si’ retoma essa preocupação mais social, “mundana”, do que pastoral, ao exortar de maneira inequívoca não só países (governos), mas a sociedade a reagir contra a degradação do meio ambiente e das mudanças climáticas.
Não à cultura descartável
A encíclica do Papa Francisco tem seis capítulos nos quais o Sumo Pontífice desenvolve um novo paradigma de justiça: a ecologia total. Segundo o texto, a Terra está maltratada; é preciso uma “conversão ecológica”, “uma mudança de rumo” para que o ser humano assuma a responsabilidade de um compromisso para o cuidado comum, a fim de erradicar a miséria e promover a igualdade de acesso a todos os recursos do planeta.
Há poluição, mudanças climáticas, desaparecimento da biodiversidade, débito ecológico entre o Norte e o Sul do mundo, antropocentrismo, predomínio da tecnocracia e das finanças que levam a salvar os bancos em detrimento da população, propriedade privada não subordinada ao destino universal dos bens. Sobre tudo isso, parece prevalecer uma cultura do descartável – usa e deita fora –, algo que leva a explorar as crianças, a abandonar os idosos, a reduzir os outros à escravidão e a praticar o comércio injusto. Para dar conta de todos esses males, o papa prega uma nova economia, mais atenta à ética, construída por meio de um diálogo em nível global com a política.
Em outras palavras, Francisco quer que a sociedade (sindicatos, ONGs, partidos, movimentos sociais, associações, cidadania em geral), agentes econômicos (empresas, bancos, órgãos públicos) e governos se reúnam em nível global e tomem atitudes para enfrentar e resolver os problemas que afligem a humanidade, entendendo que o meio ambiente é uma herança comum para ser administrada e deixada para as gerações futuras.
De acordo com o Vaticano, esta encíclica não pretende interferir na pesquisa científica sobre mudanças climáticas, estabelecendo de que maneira a ação humana muda o clima. Na perspectiva da Igreja Católica, é suficiente dizer que a atividade humana é um dos fatores que explicam a mudança climática. Por isso, a sociedade e os governos têm a responsabilidade moral de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para reduzir esses impactos e os efeitos negativos sobre o meio ambiente e sobre os pobres.
Quem apresentou os dados científicos nos quais o papa se inspirou para escrever a encíclica foi Hans Joachim Schellnhuber, um dos mais renomados climatologistas do mundo, fundador do Potsdam Institute for Climate Impact Research (PIK). O cientista mostrou mapas e tabelas sobre as pesquisas climáticas, os cenários futuros, concluindo: não são os pobres, mas os ricos que estão pondo nosso planeta e a humanidade em risco.
A encíclica também se preocupa que a escassez de água promova uma guerra mundial.
Para enfrentar e vencer estes desafios, o papa propõe uma “revolução cultural” que começa com pequenas atitudes, como apagar as luzes quando não estiver usando, plantar árvores, usar transporte público e formar redes de cidadania para pressionar governantes. Em âmbito global, propõe que os países desenvolvidos ajudem os países em desenvolvimento a pagar a respectiva dívida externa, limitem substancialmente o consumo de energias não renováveis e ajudem países mais pobres a gerar políticas e programas de desenvolvimento sustentável. Pede, como consequência, outra definição de progresso, que não se baseie apenas no desenvolvimento tecnológico e econômico.
Enfim, a mensagem que fica é de esperança, porque a construção de um novo mundo abre oportunidade para inovações e negócios feitos de maneira diferente, voltados para os interesses das pessoas e da justiça social.
O papel das empresas
O documento não menciona especificamente a função das empresas na construção da nova economia e da nova cultura da sustentabilidade. Todavia, elas têm um papel fundamental a desempenhar, começando por colaborar para destravar as negociações do acordo de redução global de emissões dos gases de efeito estufa, inclusive em nosso país.
No Brasil, a atuação empresarial foi decisiva para que o governo brasileiro, em 2009, durante a COP 15, assumisse metas nacionais de redução de emissões e, em seguida, aprovasse a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).
Desde então, essas empresas constituíram o Fórum Clima – Ação Empresarial sobre Mudanças Climáticas, comprometendo-se com metas de redução de carbono e outras iniciativas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, bem como de monitoramento e de propostas de políticas públicas.
Atualmente, o governo discute o Plano Nacional de Adaptação (PNA), que vai estabelecer um conjunto de medidas governamentais de adaptação às mudanças do clima. Os setores incluídos no PNA são: transportes e logística; energia; biodiversidade e ecossistemas; desastres naturais; zonas costeiras; cidades; segurança alimentar e agropecuária; indústria; saúde; e água. As metas definidas para esses setores vão integrar a proposta brasileira de redução de emissões para a COP 21 e vão abrir muitas oportunidades para o setor empresarial. Cada meta traz embutida uma inovação de processo, produto ou serviço que vai exigir o melhor da criatividade e da capacidade de financiamento empresarial. Nessas metas de emissões, estão envolvidas também decisões sobre métricas e métodos de reporte.
* Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos.