Jorge Abrahão, do Instituto Ethos, participou de painel, em 3/12, no qual mostrou os avanços das empresas e das instituições brasileiras no tema.

Desde 2012, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) decidiu estabelecer o Fórum sobre Empresas e Direitos Humanos para discutir os desafios do tema para as multinacionais e outras companhias, de acordo com os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, lançados em 2011. A ideia é promover o diálogo entre as empresas, os sindicatos, os departamentos da ONU, a sociedade civil organizada e os stakeholders das empresas sobre os riscos de violação dos direitos humanos e as melhores práticas desenvolvidas para enfrentá-los.

Trata-se, por isso, de um fórum aberto a representantes de empresas, governos, organismos multilaterais e organizações da sociedade civil, entre outras entidades.

Os princípios orientadores das empresas

Os Estados possuem um marco jurídico que os induz a garantir os direitos humanos dos seus cidadãos. É a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada há 66 anos pela Assembleia Geral da ONU. Mas, na economia global, há empresas mais poderosas do que Estados. As vendas de algumas multinacionais superam o PIB de vários países, inclusive europeus. O que fazer com as violações de direitos humanos ocorridas em consequência das atividades dessas empresas, como, por exemplo, os casos de invasão de terras indígenas e de trabalho análogo à escravidão, ou legislações mais flexíveis para degradar condições de trabalho?

Não existem tratados internacionais que regulem a responsabilidade das empresas sobre essas violações. Por isso, a ONU e a comunidade internacional se esforçaram para desenvolver os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos. Escritos pelo professor John Ruggie, da Universidade de Harvard, esses princípios oferecem um guia útil a respeito das responsabilidades dos Estados e das empresas no que tange aos direitos humanos.

Essa iniciativa é um passo importante para o estabelecimento de normas e procedimentos que podem prevenir a violação de direitos humanos por parte das empresas.

Os Princípios Orientadores definidos por Ruggie decorrem de três pilares normativos: primeiro, o reconhecimento das obrigações primordiais dos Estados no respeito, proteção e implementação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais (proteção); segundo, a importância do papel das empresas como órgãos especializados da sociedade que desempenham funções especializadas e que devem cumprir todas as leis aplicáveis e respeitar esses direitos básicos (respeito); e finalmente, a necessidade de que existam recursos adequados e eficazes, em caso de descumprimento desses direitos por parte das empresas (reparação).

De acordo com os Princípios Orientadores, a responsabilidade de respeitar os direitos humanos exige das empresas evitar que suas próprias atividades gerem impactos negativos e buscar prevenir ou mitigar esses impactos. Além de não permitir que suas atividades resultem em abusos aos direitos humanos, as empresas precisam evitar que as suas operações, serviços e produtos contribuam para abusos cometidos por outros grupos ou corporações.

Nesse sentido, as empresas devem expressar o seu compromisso com a responsabilidade de proteger os direitos humanos por meio de uma declaração aprovada em seu mais alto nível, baseada em assessoria especializada, que expresse claramente as expectativas de cada colaborador, sócio, acionista ou parceiro nesse tema e que esteja difundida nas políticas e procedimentos empresariais.

As empresas também precisam monitorar a sua atuação, por meio de auditorias preventivas (due diligence) que incluam uma avaliação do impacto real e potencial das atividades sobre os direitos humanos e que permitam acompanhar o enfrentamento das consequências negativas.

Outro ponto importante destacado pelos Princípios Orientadores é o acesso a mecanismos de denúncia e de reparação em caso de violação dos direitos humanos. As empresas precisam garantir a existência desses mecanismos não-estatais e o acesso das vítimas a eles.

Tais princípios foram aprovados por unanimidade em 2011. No ano seguinte, realizou-se o primeiro Fórum das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, com o objetivo de discutir como as empresas e os países estavam implementando os Princípios Orientadores aprovados no ano anterior. O fórum teve lugar em Genebra, na Suíça, com quase 1.000 participantes de 80 países.

O segundo fórum, realizado em 2013, também em Genebra, reuniu 1.500 pessoas de mais de 100 países, as quais debateram os impactos das atividades das empresas na vida de grupos étnicos, como índios e povos tradicionais, por exemplo.

Neste ano, o fórum se realizou novamente em Genebra, entre os dias 1º e 3 de dezembro, com a participação de cerca de 2.000 pessoas. O tema deste ano foi “Avançando os Direitos Humanos nas Empresas Globalmente: Alinhamento, Aderência e Accountability”. Nos três dias de discussão, participaram líderes mundiais, empresários, sindicatos e a sociedade civil para discutir os desafios e as soluções de governos, da iniciativa privada e do terceiro setor nesse tema. Entre os participantes, estavam Paul Bulcke, CEO da Nestlé, Paul Polman, CEO da Unilever, e Idar Kreutzer, CEO da Finance Norway (uma espécie de Febraban daquele país, que, além de bancos, reúne também seguradoras e corretoras de valores mobiliários).

A importância das empresas brasileiras

No dia 3 de dezembro, entre 9h45 e 11h15 (horário local), houve um painel sobre as relações entre a arquitetura econômica global e a agenda de negócios e direitos humanos. Dele participou o Instituto Ethos, representado por seu diretor-presidente, Jorge Abrahão, junto com a Organização Mundial do Comércio (OMC), representada por Pascal Lamy, ex-diretor da entidade; da União Europeia (EU), representada por Stavros Lambrinidis; do IFC (Banco Mundial), com o vice-presidente Osvaldo Gratacós; do Instituto de Direito e Desenvolvimento Internacional, com a diretora Irene Kahn; e da Universidade de Nova York, com o professor Mike Posner, que foi o moderador.

Em sua exposição, Abrahão falou da importância da agenda dos direitos humanos para o Brasil. “Somos a sétima economia do mundo, mas estamos na 79ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano. Temos 200 milhões de habitantes, a maior floresta tropical do mundo, a maior biodiversidade e recursos naturais espetaculares, mas não temos sido capazes de dividir essa riqueza”, afirmou Abrahão. “Isso gerou uma concentração de renda e uma desigualdade ainda muito grande, em que pese o fato de a gente ter evoluído nos últimos anos. Por isso, a agenda dos direitos humanos é essencial em nosso país”, completou.

Abrahão comentou que, recentemente a Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconheceu o Brasil como referência no combate ao trabalho análogo à escravidão. “Afinal, já resgatamos mais de 47 mil trabalhadores nessa situação em todo o país”, disse ele. Um exemplo de ação é o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, articulado por várias entidades, entre as quais o Instituto Ethos, o qual conta hoje com mais de 400 empresas signatárias e tem contribuído para fazer o setor privado adotar políticas claras de prevenção do trabalho análogo à escravidão nas suas dependências e na cadeia de valor, tomar as medidas cabíveis quanto isso ocorre e influenciar políticas públicas, como a pressão para aprovar a lei que expropria terras de empresas condenadas pelo uso de mão de obra escrava.

Outro ponto destacado sobre o Brasil foram as iniciativas em relação à questão da diversidade de gênero e de raça e em prol dos direitos LGBT. Embora o caminho pela equidade ainda seja longo, os progressos são notórios.

Também na questão da repartição de direitos pelo acesso ao conhecimento tradicional da biodiversidade, o Brasil tem se destacado, com o protagonismo das empresas. “O ‘segredo’ para essa liderança tem sido a construção de mecanismos de diálogo e reclamação eficientes, que previnem conflitos e garantem espaços para a discussão aberta e confiável sobre os problemas”, afirmou Abrahão.

O próximo passo será promover a interconexão entre temas para que os avanços se consolidem. Por exemplo: como promover a integração entre o desmatamento e o trabalho escravo e infantil, a biodiversidade e os direitos dos povos tradicionais, o combate à corrupção e o acesso às informações sobre investimentos? As empresas têm um vasto caminho a percorrer nessa direção.

Sobre sua participação no fórum, o diretor-presidente do Instituto Ethos comentou ter percebido que “o maior sentido de nossa existência, a causa mais profunda que nos une é a de proporcionar qualidade de vida para todas as pessoas”: “Precisamos construir um patamar mínimo de dignidade para todos. Ao participar destes debates, eu me pergunto o que é mais importante do que isto. São as guerras inúteis em que estamos metidos? As brigas entre partidos pelo poder? As disputas comerciais? A descoberta de um chip que comporta duas vezes a Biblioteca do Congresso americano? E concluo que nada disso faz sombra à agenda dos direitos humanos”.

Para Abrahão, enquanto não houver a garantia dos direitos humanos para todos, entendidos como acesso à educação, à saúde e ao bem-estar, a confiança na nossa sociedade estará comprometida e não haverá paz. “E a gente vai deixar de usufruir as maravilhas dessa experiência única que é a vida”, afirmou. “Por isso, é importante uma reunião como esta, porque traz luz para esse tema que é fundamental para o nosso país e para o mundo.”

Por Cristina Spera, do Instituto Ethos