Confira os destaques do evento que trouxe ao Brasil o Prêmio Nobel da Paz 2014 Kailash Satyarthi.
Parece absurdo chegar ao século 21 discutindo maneiras de erradicar a escravidão no Brasil e no mundo. Infelizmente o trabalho forçado ainda é realidade para milhares de pessoas em 2016 — sendo que, em maio, a Lei Áurea completa 128 anos de existência. Na última quarta-feira (27), Instituto Ethos, InPACTO, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil e Tribunal Superior do Trabalho (TST) receberam representantes do poder público, líderes de empresas e de organizações do terceiro setor, e o vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2014 Kailash Satyarthi em um evento sobre trabalho forçado e exploração de mão de obra infantil. O encontro aconteceu na FecomercioSP. Confira adiante os principais destaques.
A “lista suja” e o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
Na conversa com Satyarthi, Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos, lembrou as duas principais ferramentas de combate ao trabalho escravo, criadas há mais de dez anos no Brasil: a “lista suja” e o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Ambos os documentos tornam explícita a importância do envolvimento das empresas nessa luta. “Setores puxados por empresas que queriam avançar nesse processo conseguiram exercer um forte impacto social por meio do mapeamento de suas cadeias de valor”. Para ele, “o grande desafio é convencer as empresas de que são agentes de transformação da sociedade”.
Trabalho escravo fere a Constituição Nacional
Lelio Bentes, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), afirmou que o trabalho escravo é contrário a tudo que prevê o Artigo 1 da Constituição Federal, que trata de “cidadania, dignidade e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. Para ele, “respeitar os direitos humanos é ter a capacidade de se colocar no lugar do outro. É olhar para o outro e identificar um igual, com os mesmos direitos, o direito às mesmas inspirações, direito de sonhar, direito a um tratamento digno”.
Não se deve mexer no Artigo 149 do Código Penal
Marcos Fava, membro da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, defendeu a manutenção do Artigo 149 do Código Penal. Para ele, “o tipo penal do Artigo 149 deve ficar como está. O trabalho degradante, a jornada exaustiva, o direito de ir e vir precisam permanecer assim e o sistema judicial deve ser intransigente em sua manutenção e em sua mais severa interpretação”.
Brasil é signatário de todas as convenções internacionais sobre o trabalho infantil
Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, destacou que o Brasil é signatário de todos os acordos globais para erradicar o trabalho infantil. Ela acredita que diversos fatores deram ao país uma posição de destaque no combate à exploração da mão de obra infantil, como: possuir um marco legal bastante ousado, reconhecer o problema, levantar estatísticas, definir uma agenda de cooperação e criar políticas públicas efetivas. “Muitos países não têm informações sobre trabalho infantil e por isso não aparecem na lista dos que apresentam o problema, mas isso não quer dizer que eles não tenham crianças trabalhando. Esses lugares podem apenas não ter dados sobre o trabalho infantil em seu território. O mesmo acontece com as leis: em locais onde não há um marco regulatório rígido sobre trabalho infantil, isso não é tido como crime”.
Campello mostrou os progressos no combate ao trabalho infantil no Brasil. “Antes as crianças trabalhavam para não morrer de fome porque as suas famílias viviam na miséria. Hoje, a renda per capita dessas crianças está acima de um salário mínimo. Não há bolsa família que resolva […]. Precisamos saber onde está esse jovem, se ele está trabalhando como empreendedor ou no negócio do pai. Não temos como continuar com o trabalho desprotegido de jovens entre 14 e 16 anos. Conseguimos reduzir os casos mais trágicos de trabalho infantil, mas temos que continuar trabalhando”, declarou.
O ciclo vicioso do trabalho escravo
Vânia Rego, do Sebrae Nacional, chamou a atenção para outros aspectos da exploração da mão de obra infantil e da escravidão. “Não podemos deixar de falar que trabalho infantil e escravo são categorias de classe social. Os filhos das classes mais favorecidas não trabalham quando crianças: eles estudam e se empoderam para ocupar espaços. Não devemos esquecer que milhares de mulheres em todo o mundo, quando entram no mercado de trabalho, deixam os seus filhos desamparados ou, em vez de os colocarem em espaços de proteção — como a escola —, acabam levando-os para os ambientes de trabalho degradante em que vivem”, ressaltou.
A relação entre trabalho escravo e tráfico de pessoas
Luiz Machado, coordenador nacional do Programa de Combate ao Trabalho Forçado da Organização Internacional do Trabalho (OIT), destacou que o protocolo adicional à Convenção 29 “chama mais uma vez o mundo para acabar com o trabalho forçado e suas variações contemporâneas”. “Nós não sabemos o tamanho do problema. O trabalho escravo é ainda mais invisível que o infantil. É muito difícil resgatar as pessoas”, comentou ele, citando as artimanhas que os empregadores fazem para mascarar as condições em que vivem seus funcionários.
O trabalho escravo é o terceiro crime mais rentável do mundo, gerando um lucro anual de US$ 150 bilhões. Apesar de reconhecer os avanços do Brasil nas últimas duas décadas, Machado disse que algumas questões delicadas ainda precisam ser discutidas. É o caso da exploração sexual forçada, em que cada vítima gera um lucro de US$ 21 mil por ano, dez vezes maior do que o lucro obtido com a exploração de um trabalhador no campo, de US$ 2 mil. O que agrava a situação, segundo ele, é que as vítimas de exploração sexual forçada não têm acesso aos mesmos direitos que os trabalhadores resgatados. Elas estão ainda mais desprotegidas, porque não há uma legislação que as ampare. “Nós também não reconhecemos a vítima de trabalho escravo como vítima de tráfico de pessoas, e muitos casos têm todos os elementos que caracterizam isso”, completou.
A suspensão da “lista suja”
O presidente do InPACTO, Caio Magri, aproveitou a oportunidade para fazer um apelo público ao juiz Lelio Bentes para que se discuta a suspensão da “lista suja”. “É necessário melhorar os processos, mas não podemos privar as empresas e a sociedade das informações sobre aqueles que foram autuados e administrativamente julgados por exploração de mão de obra escrava”, afirmou Magri.
Créditos: InPACTO
Foto: Clovis Fabiano