Os participantes discutiram os temas de maneira intensa e tiveram a chance de tirar dúvidas e refletir sobre os cuidados com sua própria cadeia produtiva.
Trabalho escravo foi o tema da primeira reunião de 2015 do Grupo de Trabalho Empresas e Direitos Humanos, do Instituto Ethos, que aconteceu no último dia 10 de fevereiro, na sede do Instituto Ethos. Estiveram presentes representantes da Duratex, BRF, Shell, Carrefour, Grupo Brasanitas, Fundação Getulio Vargas e Report Sustentabilidade, bem como do Instituto Ethos e do Instituto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPacto).
A condução da oficina e as provocações para reflexões sobre o tema ficaram por conta de Mércia Silva, coordenadora executiva do InPacto, e Maíra Etzel, assistente executiva no mesmo instituto.
O InPacto tem como missão erradicar o trabalho escravo no Brasil e, para isso, mobiliza as empresas que atuam em território nacional para que monitorem, previnam e combatam o problema em suas cadeias produtivas. O processo de conscientização das empresas quanto a práticas que ferem o direito do trabalhador inclui sua adesão ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que estabelece dez compromissos que a serem cumpridos por seus signatários. Parte dos objetivos do InPacto é fomentar e acompanhar programas de reintegração social dos egressos do trabalho escravo e articular atores sociais para influenciar políticas públicas.
No primeiro momento do encontro, os participantes abriram a discussão com contribuições e reflexões sobre as sensações e impressões que tiveram diante de fotografias que retratavam situações análogas à escravidão. “Pobreza e servidão são evidentes nestas imagens. O trabalho escravo é o limite do que o homem pode fazer com o próximo”, afirmou Tiago Liberatori, da Duratex. “Vejo insalubridade e subordinação. Vivemos uma realidade muito distante da retratada na foto”, pontuou Érica Liberato, da Report Sustentabilidade.
A fala de Mércia Silva se pautou, inicialmente, na formação da identidade nacional e na questão da desigualdade social, que têm relação direta com a prática do trabalho escravo no Brasil há cerca de 400 anos. A coordenadora executiva do InPacto deu um panorama sobre fenômenos históricos – como a política de escravização, vigente em todo o período colonial, e a de branqueamento, implantada principalmente ao longo do processo de industrialização. Esses fenômenos exercem, até hoje, influência sobre as relações de trabalho. A exploração da mão de obra, praticada desde o início da colonização do Brasil, faz parte de uma lógica econômica altamente lucrativa e a dificuldade em combatê-la é grande.
Dado o panorama histórico, o país ainda conta com um sistema de governança precário. Um dos empecilhos para uma fiscalização mais ampla é o restrito número de funcionários do Ministério do Trabalho (MTE) disponíveis para isso. De acordo com informações divulgadas na última reunião da Comissão Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (Conatrae) pelo ministro Manoel Dias, do MTE, são apenas 1.200 fiscais em atividade, 500 dos quais se aposentarão neste ano. Também segundo o ministro, já foi aprovada a solicitação de abertura de 800 vagas para auditor fiscal do trabalho e se aguardam trâmites institucionais para que o concurso possa ser realizado.
Outro problema que dificulta a fiscalização é que não costuma ser fácil chegar a algumas propriedades cujos donos foram denunciados por manter empregados em regime análogo à escravidão, pois elas se situam nos lugares mais longínquos do país. A atuação de “espiões”, que alertam os empregadores sobre a visita dos fiscais, também complica a ação.
Quando resgatados, os trabalhadores passam por um processo de reintegração, durante o qual recebem treinamento profissional e assistência médica e psicológica, além dos benefícios e direitos trabalhistas que lhes foram negados e que serão pagos pelos exploradores.
Maíra Etzel apresentou de forma mais detalhada a dinâmica do InPacto e também do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, hoje coordenado pelo novo instituto. Lançada em 19 de maio de 2005, pelo Instituto Ethos, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a ONG Repórter Brasil e o Instituto Observatório Social, a iniciativa era inicialmente um “projeto”, que, com o passar do tempo, ganhou maior adesão do empresariado brasileiro, o que demandou sua institucionalização para atender melhor e em maior escala a demanda das empresas.
O foco do Pacto é tornar transparente o combate a práticas análogas ao trabalho escravo e, por meio do monitoramento do cumprimento dos dez compromissos assumidos por seus associados, dar visibilidade ao engajamento do setor produtivo nacional, mostrando que nem todos estão de acordo com práticas que violam direitos humanos.
Tais princípios têm como eixo a relação com a cadeia produtiva. Assim, recomenda-se que as organizações signatárias criem mecanismos de fiscalização para todas as etapas das relações comerciais – sobretudo de seus fornecedores. Com esse controle, é possível estabelecer restrições comerciais às empresas que constem na Lista Suja do Trabalho Escravo (Portaria Interministerial MTE/SDH nº 2/2011).
O InPacto tem uma relação estreita com seus associados, pois eles fazem parte da gestão e da governança do instituto. Seu papel é contribuir com cada uma das organizações na elaboração e implementação de planos de ação de prevenção e combate ao trabalho escravo, promovendo o diálogo, consolidando ferramentas e divulgando boas práticas nos diversos setores da economia, em especial, nas cadeias consideradas críticas pela alta incidência de denúncias de tais práticas exploratórias.
Os participantes da oficina discutiram os temas de maneira intensa e tiveram a chance de tirar dúvidas e refletir sobre sua própria cadeia produtiva.