A Conferência Ethos 360° conseguiu inovar na forma, ser relevante em sustentabilidade e fazer da simultaneidade uma comunicação de impacto

Mais de 50 atividades em dois dias, num espaço circular, aberto, com debates e palestras simultâneas entre quase 120 profissionais e especialistas convidados. No total, mais de 1.100 participantes estiveram no Golden Hall do World Trade Center, em São Paulo, nos dias 24 e 25 de setembro de 2014. Só esses dados já serviriam para destacar a importância do evento. No entanto, é preciso registrar que passearam entre os múltiplos palcos da Conferência Ethos 360° executivos de primeiro escalão das mais importantes empresas com atuação no Brasil, profissionais com real poder de decisão nas organizações em que atuam e capazes de internalizar conceitos e práticas não apenas de empresas, mas também defendidos por organizações sociais e acadêmicos de peso.

Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos, acredita que esta edição da Conferência Ethos conseguiu fazer brilhar os olhos dos executivos presentes, retomando a trajetória de inovação da organização, que em 16 anos de existência tornou-se referência em gestão empresarial para a sustentabilidade, oferecendo novos olhares e propondo compromissos que servem como alicerces na consolidação de uma economia mais sustentável. “É papel do Ethos ser vanguarda e se reinventar sempre que necessário para manter a atenção das empresas nas transformações necessárias”, explicou o executivo.

E desta vez realmente conseguiu. A estudiosa da construção do futuro, Rosa Alegria, presente ao evento, resumiu os resultados: “Ninguém saiu desses dois dias sem uma reflexão sobre o que faz e o que precisa fazer”.

Nos palcos, divididos em pontos cardeais, executivos e especialistas se revezaram num curioso sistema. As pessoas utilizaram fones de ouvidos para acompanhar cada palestra e a privacidade se dava por diferentes frequências nos fones. Enquanto, no palco Noroeste, o Centro Sebrae de Sustentabilidade apresentava cases de empreendedorismo em reúso de água, reciclagem ou como transformar sabores da Amazônia em negócios de sucesso, em outro palco podia-se assistir uma apresentação sobre como ter acesso a novos mercados e a capitais, por meio do BNDES, da CVM e da inovadora EuSocio.com.

Os modelos de negócios abordados não seguiram apenas o receituário convencional das grandes empresas de varejo, finanças ou indústria, como é costume nesses grandes eventos de sustentabilidade. Com o Brasil vivendo um momento em que o esporte tem um protagonismo especial, com a Copa passada e a Olimpíada futura, um dos painéis abordou justamente a “Integridade, Transparência e Gestão no Esporte: o Legado e o Patrocínio no Brasil”, em que a demanda principal era por maior clareza na prestação de contas do repasse dessas verbas e por melhor governança das entidades. “A iniciativa por melhor governança ainda é tímida, mas muito significativa”, destacou Ana Moser, presidente da Atletas pelo Brasil. “A estrutura que temos hoje não é nada sustentável. O mundo pede transparência, bom uso dos recursos e acesso para muitos, não só para poucos”, disse ela, sendo aplaudida.

Outro momento de destaque contou com a presença dos prefeitos de São Paulo, Fernando Haddad, e de Palmas, Carlos Amastha, um colombiano naturalizado brasileiro. Amastha conseguiu seu espaço de fama com o atraso da chegada de Haddad, falou sobre o planejamento da capital do Tocantins, que tem apenas 25 anos de fundação. “Construíram uma bela cidade, com grandes espaços e avenidas, e empurraram os pobres para longe”, disse. Alertou que foram cometidos os mesmos erros de Brasília e agora os governantes têm de levar infraestrutura cada vez mais longe e com altos custos. Haddad tocou em outro ponto fundamental, a gestão das metrópoles no Brasil. “Estamos com espaços conurbados, com mais de 20 milhões de habitantes, como a Grande São Paulo, onde 39 municípios se confundem numa mesma mancha urbana”, disse. O prefeito paulistano alertou que não é possível governar as metrópoles tendo que negociar caso a caso todas as políticas públicas, principalmente de mobilidade urbana, com gestores que têm interesses políticos e partidários muitas vezes opostos.

A compreensão sobre as atitudes das pessoas em relação aos dilemas do cotidiano tem sido um dos desafios da construção de novas políticas públicas. Para entender isso, Cameron Hepburn, diretor do Programa para a Sustentabilidade do Institute for New Economic Thinking, da Universidade de Oxford (Inglaterra), aliou psicologia e economia em suas análises sobre a implantação de projetos, tanto no âmbito público quanto no privado. “Saber o que leva um consumidor a comprar este ou aquele produto no supermercado é relevante para as corporações e também vale na hora de elaborar políticas públicas”, explicou.

Esta edição da Conferência Ethos reforçou uma visão que a organização tem há tempos e que está presente em seus processos e programas, além de parcerias estratégicas: que as políticas públicas são fundamentais para um ordenamento mais justo da sociedade e que também o setor privado tem um papel a desempenhar. Para o economista indiano Pavan Sukhdev, CEO da Gist Advisory e autor do livro Corporação 2020, cerca de 75% dos empregos estão em empresas e elas devem ter um papel relevante na estruturação de uma economia mais voltada para a qualidade de vida e o bem social. “Empresas não devem apenas atender aos interesses dos acionistas, mas ter um papel na sociedade em que estão inseridas”, disse. Sukhdev aponta a agricultura, cidades, edificações, energia, fabricação de bens, florestas, pesca, transportes e turismo como setores que precisam ser incentivados de forma sustentável. “A economia deveria ter como objetivo a manutenção de serviços públicos e ambientais garantindo os ecossistemas para o amanhã”, pontua.

Na palestra de encerramento do evento, Luciano Coutinho, presidente do BNDES, apontou alguns avanços em direção a uma economia mais sustentável, como a recente conversão dos Estados Unidos ao time dos que veem as mudanças climáticas como um desafio global. “Eles estabeleceram limites para as emissões de termoelétricas a carvão”, disse, numa referência à exigência que pode até inviabilizar essa tecnologia nos Estados Unidos. Coutinho defendeu para o Brasil maior eficiência no uso da energia e mais tecnologia em negócios como agricultura e pecuária, setores intensivos em emissões de gases do efeito estufa. “É preciso mimetizar mecanismos de mercado, para induzir mudanças. Temos o compromisso, como banco de desenvolvimento, de levar a agenda sustentável à frente”, disse.

A Conferência Ethos 2014 reascendeu no espírito das pessoas e das empresas a vontade de melhorar os processos e as tecnologias de forma a estabelecer e cumprir metas de desempenho em gestão de recursos naturais, como águas e florestas, além das diversas matérias-primas que formam as cadeias de valor. Entre os diversos temas presentes, esteve a análise do ciclo de vida de produtos como um fator fundamental da transformação, além da gestão eficaz de resíduos em todas as suas formas. Entre as conclusões possíveis estão certamente a necessidade de planejamento das empresas com foco na perenidade de seus negócios e a construção de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento dos potenciais humanos e para a qualidade de vida da sociedade.

Por Dal Marcondes, da Envolverde