Texto afirma que danos residuais das mudanças climáticas devem ocorrer em todo o planeta, mesmo que haja corte substancial nas emissões.
Por Jorge Abrahão*
Entre os próximos dias 7 e 12 de abril, líderes governamentais e cientistas de várias partes do mundo estarão reunidos em Berlim, na Alemanha, para rever e aprovar o novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 29 páginas, que estima o custo das mudanças necessárias para a implementação de formas de energia renováveis entre 2% e 6% da produção mundial em 2050.
Esse é, na verdade, o segundo capítulo do relatório sobre clima global iniciado em 2006. Esse novo texto foi chamado de “Sumário para formuladores de políticas” e afirma que danos residuais das mudanças climáticas devem ocorrer em várias partes do planeta, a partir da segunda metade do século. E isso vai ocorrer mesmo que haja corte substancial nas emissões de carbono.
Em síntese, os cientistas alertam que os pobres serão os mais castigados por mudanças climáticas e também reforçam a visão de que o ser humano causa o aquecimento global.
O relatório prevê ainda que países tropicais, como o Brasil, serão mais afetados por secas e inundações, com risco de insegurança alimentar, caso não haja planejamento para adaptar culturas agrícolas às possíveis realidades. E que populações pobres em regiões costeiras também devem sofrer mais com as mudanças climáticas, pelo aumento do nível do mar, que porá em risco os meios de subsistência (pesca, agricultura, comércio etc).
Sobre os recursos hídricos, o texto afirma que há fortes evidências de uma redução da oferta de água potável em regiões subtropicais secas, o que aumentaria disputas entre regiões pelo uso de bacias hidrográficas – algo semelhante ao que acontece atualmente entre os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, com a disputa pelo uso da água do Rio Paraíba do Sul para abastecer o Sistema Cantareira.
Este segundo capítulo também alerta governos a respeito das consequências sobre a agricultura, principalmente a produção de alimentos, e indica a maneira de se evitar problemas, com investimentos em biotecnologia e em técnicas de recuperação de áreas degradadas, para não avançar sobre áreas de florestas.
Como adaptar-se às mudanças climáticas
Os riscos globais do impacto da mudança climática podem ser reduzidos, caso a magnitude e o ritmo do fenômeno sejam limitados. Reduzir as emissões de CO2 de forma rápida diminuirá a severidade dos impactos.
Há opções relativamente baratas e simples, como:
– Reduzir o desperdício de água e aumentar sua reciclagem;
– Evitar os assentamentos humanos em áreas propensas a inundações, a deslizamentos de terra e à erosão costeira;
– Preservar terras úmidas que podem servir de barreiras contra as inundações e salvar os manguezais que podem proteger as costas de tempestades inesperadas;
– Lutar contra os incêndios florestais;
– Introduzir cultivos resistentes à seca e estimular os sistemas de irrigação eficientes;
– Desenvolver áreas verdes nas cidades que suavizem o impacto das ondas de calor;
– Estimular os sistemas de prevenção e a conscientização sobre o aquecimento global na administração pública, elaborando políticas a nível local e regional;
– Reforçar os planos de luta contra desastres naturais; e
– Fortalecer as instituições internacionais que atuam para desativar crises entre os países que disputam recursos naturais.
Urgência
O IPCC alerta que, diante dos atuais riscos, as adaptações e mudanças para enfrentar o aquecimento global não podem mais ser postergadas. A ONU quer um acordo sobre redução de emissões já em 2015.
No Brasil, os problemas que teremos de enfrentar não serão pequenos. O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas montou um cenário, em 2013, segundo o qual a temperatura do Brasil poderá subir até 6 graus Celsius nas próximas décadas. Com isso, a vazão de importantes rios do país e o abastecimento de lençóis freáticos que fornecem água potável para a população poderão ser afetados pela falta de chuvas. O fornecimento de energia também será afetado, bem como a agricultura, com forte impacto na segurança alimentar, principalmente das populações dos grandes centros urbanos.
As possibilidades listadas por esse painel são dramáticas:
– A agricultura pode perder até R$ 7 bilhões por ano com o clima;
– Prevê-se queda na produtividade do café, da soja, do arroz e de outras culturas;
– Pode haver redução de chuvas no Norte e Nordeste e aumento no Sul e Sudeste, com risco de inundações;
– Há risco para o abastecimento das águas subterrâneas;
– Em todo o litoral, o volume de pesca pode cair 6% em 40 anos.
Já o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas foi elaborado por 350 cientistas de diversas instituições e divulgado no final do ano passado. Dividido em três volumes, ele apresenta dados coletados com a ajuda do Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre, o primeiro sistema nacional de simulação do clima global, que incluiu características detalhadas do Brasil e da América do Sul.
Os cientistas alertam que, apesar de o quadro ser grave, ele não é “apocalíptico”. Governos e iniciativa privada precisam agir para restringir as emissões pós-2020, quando o problema não será mais o desmatamento. Será preciso mexer nas emissões da indústria e dos transportes. Como fazê-lo sem acarretar desemprego, pois são dois setores de emprego intensivo, direta e indiretamente?
Outro problema é a prevenção de desastres climáticos. O ponto frágil em nosso país é a região costeira, onde mora a maioria da população e onde se localizam as maiores densidades demográficas – acima de 100 habitantes por km2, como as cidades do Riode Janeiro e São Paulo e seus entornos. Com o aumento de chuvas, haverá mais enchentes e deslizamentos de encostas.
O planejamento urbano será mandatório e também uma política nacional para interiorizar a população, com cidades planejadas que não causem impacto à atividade agrícola nem às áreas de florestas. É possível agir no meio urbano sem causar mais problemas e recessão?
Negócios sustentáveis
A resposta a essa pergunta pode ser dada pelos governos por meio de políticas que incentivem determinadas atividades econômicas mais “limpas” que gerem empregos e estimulem a emergência de uma nova economia, mais verde, inclusiva e responsável.
As empresas também têm um papel importante a desempenhar nesse cenário. Não se trata apenas de adaptar produtos e serviços a novas necessidades, mas de “inventar” novos negócios, de tirar a sustentabilidade do papel e torná-la parte da gestão. E esse é o xis do problema. Segundo a Fundação Dom Cabral, que fez uma pesquisa com 400 empresas de diferentes tamanhos que atuam no Brasil, 78% delas têm a sustentabilidade na estratégia, mas apenas 36% conseguem realizar ações concretas e, mesmo assim, de pouca complexidade: coleta seletiva, economia de papel ou doação a alguma entidade filantrópica.
Os desafios das mudanças climáticas impõem iniciativas mais complexas e abrem oportunidade para a criatividade e a inovação em todos os campos da gestão. Assim, para incentivar a inovação na sustentabilidade e demonstrar a sua viabilidade econômico-financeira, o Instituto Ethos e um grupo de empresas ativadoras lançaram, no último dia 27 de março, mais uma iniciativa pioneira: o projeto Negócios Sustentáveis: Transformando Ideias em Negócios Inovadores.
Trata-se de uma iniciativa que pretende demonstrar a viabilidade econômico-financeira no tempo dos negócios sustentáveis no Brasil, por meio de inovação que possa ser replicada em escala.
Para tanto, o Ethos reuniu um grupo de nove grandes empresas que atuam no Brasil – Alcoa, BNDES, CPFL Energia, Fibria, IBM, Natura, Santander, Vale e Walmart –, que já possuem atuação relevante na área de sustentabilidade. Juntou a experiência delas com a expertise de especialistas em gestão, branding, design e finanças para formarem um “think tank”, ou seja, uma “usina de ideias” voltada à produção e disseminação de conhecimentos estratégicos para, em um ano, lançar a modelagem de um negócio sustentável que seja replicável e, numa segunda etapa, aproximar as empresas interessadas e os agentes financiadores.
E o que é um negócio sustentável?
Esse projeto começou a ser elaborado no ano passado, para dar resposta a uma pergunta feita insistentemente por empresas, jornalistas e a sociedade civil: afinal, sustentabilidade dá lucro a ponto de se poder falar em negócio sustentável? Nossa resposta sempre foi sim, sustentabilidade dá lucro, mas os negócios precisam ser feitos de um jeito diferente. E que jeito é esse?
Para chegar a esse “jeito”, foi preciso encontrar uma definição prévia de “negócio sustentável”. Note-se que é um consenso encontrado para ser possível elaborar o projeto. Nada impede que, durante o período de discussões, o grupo chegue à conclusão de que esse conceito precisa ser alterado. De qualquer forma, trabalhamos com a definição de “negócios sustentáveis” como sendo aqueles que possuem a capacidade de gerar valor na dimensão econômica e em pelo menos uma das seguintes dimensões: ambiental, social ou ética – não destruindo valor nas demais dimensões –, apurando resultados e/ou dividendos até o encerramento do exercício social, de modo que seus concorrentes não possam reproduzi-lo, ocupando assim posição de vantagem dentro da disposição máxima que o consumidor estará disponível a pagar e influenciando a estrutura circundante de fornecedores.
Como vai funcionar
As nove empresas que já atuam em sustentabilidade são chamadas de “ativadoras” e vão trazer temas que interessam à gestão para servir de base à modelagem. Esses temas serão formatados por parceiros consultores denominados “shapers”, que verificarão a viabilidade ambiental, ética e econômico-financeira; em seguida, especialistas em branding e design darão a forma final ao projeto. Em seguida, parceiros “difusores” – associações e federações de classe, bem como a mídia – vão divulgá-lo.
O “kick off”
O lançamento na última quinta-feira (27/3), foi, na verdade, o primeiro evento oficial da iniciativa que reuniu todos os participantes do projeto – empresas ativadoras, shapers, difusores, designers, profissionais de branding e a rede internacional – para juntos definirem o tema da modelagem futura. O assunto deverá ser sobre resíduos, no contexto da produção e do consumo sustentável. A reunião de abril definirá melhor os contornos com os quais se vai trabalhar a modelagem.
A escolha desse tema tem a ver com o fato de as empresas ainda não terem conseguido cumprir os prazos estipulados pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) para a implementação de diversas mudanças na gestão de resíduos. Há grandes obstáculos a contornar que necessitam, inclusive, de novas políticas públicas para as quais as empresas precisam se mobilizar. Um exemplo é a questão da logística reversa.
Outro tema muito discutido pelos presentes ao “kick off” foi a água, ou melhor, a previsível escassez de água, tornando esse recurso imprescindível cada vez mais caro. Que programa de eficiência se deve adotar? É possível que setores industriais sofram solução de descontinuidade pelo alto consumo desse recurso?
Perguntas como essas vão aprofundar os debates nos próximos encontros e ajudar a construir um novo caminho para os negócios, as empresas e a sociedade brasileira.
* Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos.