Não podemos permitir retrocessos que flexibilizem o artigo 149 do Código Penal, que tipifica o crime do trabalho escravo nas suas diferentes formas.
Por Jorge Abrahão*
Nesta terça-feira (27/5), o Senado aprovou por unanimidade a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 57-A/1999. Conhecida como PEC do Trabalho Escravo, ela altera o artigo 243 da Constituição Federal para permitir a expropriação de propriedades rurais ou urbanas daqueles contra os quais for comprovada a exploração de trabalho escravo, sem qualquer indenização ao proprietário. A emenda será promulgada em sessão solene no próximo dia 5 de junho.
Mesmo com a vitória, a pressão da sociedade precisa continuar. O desafio agora, com a aprovação da PEC, é a regulamentação que será votada na próxima terça-feira (3/6). Não podemos permitir retrocessos que flexibilizem o artigo 149 do Código Penal, que tipifica o crime do trabalho escravo nas suas diferentes formas. Há riscos do estabelecimento de novos critérios de fiscalização que excluam questões como dignidade e trabalho degradante associado como motivo para enquadramento como trabalho escravo. Afinal, em pleno século 21, não tem cabimento o Brasil, que caminha para ser a quarta ou quinta economia do mundo, ter algumas empresas que ainda fazem uso de trabalho análogo à escravidão e se valem de artifícios jurídicos para tentar burlar a lei e o crime praticado.
O próprio presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Barros Levenhagen, pronunciou-se favorável à aprovação da PEC pelo Senado. Para ele, não basta a garantia constitucional do trabalho digno. É preciso torná-la efetiva e, para ele, só a aprovação da PEC é capaz de fazer isso.
Essa declaração foi dada no último dia 20 de maio, no auditório do próprio TST, quando a Organização Internacional do Trabalho (OIT) lançou o “Relatório das Estimativas Econômicas Globais do Trabalho Forçado”.
Durante a solenidade, Laís Abramo, diretora do escritório da OIT Brasil, apresentou os resultados desse relatório. Vamos comentar alguns dados.
Trabalho forçado dá lucro
O relatório concluiu que o trabalho análogo à escravidão rende mais de R$ 330 bilhões de lucros por ano aos agentes que fazem uso dele. As principais vítimas são mulheres (55%), exploradas sexualmente e no trabalho doméstico. Outra conclusão é que 44% das pessoas atingidas são formadas por migrantes internos e externos aos países.
Dos R$ 330 bilhões anuais de lucro gerados pelo trabalho escravo, pelo menos R$ 218 bilhões vêm da exploração sexual comercial; o restante provém da exploração econômica, via agricultura, do trabalho doméstico e de outras atividades.
A distribuição dos lucros gerados pela exploração forçada com fins econômicos é a seguinte:
- R$ 74,8 bilhões na construção civil, indústria, mineração e serviços;
- R$ 19,8 bilhões na agricultura, incluindo silvicultura e pesca;
- R$ 17,6 bilhões economizados em residências privadas que ou não pagam ou pagam menos que o devido aos trabalhadores domésticos submetidos a trabalho forçado.
O relatório identifica as crises de renda e a pobreza como os principais fatores econômicos que levam os indivíduos ao trabalho forçado. Outros fatores de risco e de vulnerabilidade compreendem a falta de educação formal e o analfabetismo, além do gênero e das migrações, já citados.
O relatório da OIT calculou também o total de pessoas atingidas pelo trabalho forçado no mundo: 21 milhões. O maior contingente de atingidos se concentra na região da Ásia-Pacífico – cerca de 12 milhões de pessoas, ou 56% do total.
Na América Latina, estima-se que o lucro com trabalho escravo atinja R$ 26,4 bilhões por ano, com 1,3 milhão de pessoas trabalhando em condições que ferem os direitos humanos.
Se o lucro de todas as pessoas que exploram trabalho forçado fosse reunido num país, ele seria a 58ª economia entre as 189 pesquisadas pelo Banco Mundial.
Outro dado trazido pelo relatório da OIT é que 90% dos casos de exploração de trabalho forçado ocorrem na economia privada.
Empresas reforçam participação no combate ao trabalho forçado
Laís Abramo, na mesma cerimônia, enfatizou a importância do Brasil no combate ao trabalho forçado, lembrando que o país é reconhecido internacionalmente pelas práticas consideradas as mais eficazes do mundo.
O primeiro passo para esse combate ocorreu em 1995, com o reconhecimento da existência do problema. A partir daí, foram constituídos grupos móveis de fiscalização e os planos nacionais para erradicação do trabalho no Brasil. Além disso, as empresas entraram para valer na luta, com o objetivo de acabar com essa prática no país.
Ao lado das operações de campo coordenadas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, o Estado brasileiro conta com outra arma poderosa no combate ao trabalho escravo: o cadastro de empregadores flagrados utilizando mão de obra em condições análogas à escravidão, criado em novembro de 2003. Também conhecido como “Lista Suja”, esse cadastro, mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), relaciona no momento 569 empregadores de 17 Estados.
Em 2005, foi lançado o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo que reúne empresas comprometidas em manter suas cadeias produtivas longe de quem utiliza mão de obra escrava. Essas empresas lançaram nacionalmente, no último dia 22 de maio, o Instituto do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPacto), entidade criada para ampliar a promoção das condições dignas de trabalho para a mão de obra empregada nas cadeias de produção no Brasil e no exterior.
O InPacto tem como objetivo fortalecer e ampliar as ações realizadas pelo Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. É composto por empresas, organizações sociais, observadores e lideranças nacionais e internacionais que são referências no combate ao trabalho escravo.
Entre as mudanças geradas com a criação do InPacto está a adesão oferecida às empresas e organizações. As signatárias, que hoje somam cerca de 400 entidades, serão transformadas em associadas, com cotas anuais de contribuição de acordo com o faturamento declarado. Dessa forma, a organização busca sustentabilidade financeira, além do fortalecimento da causa, agora por meio de uma entidade gerida por empresas e organizações da sociedade civil.
Além do monitoramento das signatárias, caberá ao InPacto a pesquisa e a produção de informações referentes ao tema, a participação direta em políticas públicas e a elaboração de um banco de boas práticas com o objetivo de disseminá-las entre as associadas. Apoiam esta fase de transição as empresas C&A, Cargill, Carrefour, Eletronorte-Eletrobrás, Grupo André Maggi, Pernambucanas e Walmart Brasil.
* Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos