Comissão considera “funesta” liminar deferida pelo presidente do STF e identifica tentativa de fazer o país retroceder em compromisso histórico.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou carta aberta à presidente Dilma Rousseff na qual pede uma manifestação em favor da chamada “Lista Suja” do trabalho escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego, que teve a divulgação suspensa por decisão liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski. Ele atendia a um pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), que contesta a constitucionalidade do cadastro de empregadores que submetem trabalhadores à condição análoga à de escravo.

A CPT disse ter recebido “com consternação” a decisão do ministro, que considera “funesta”, e lembra que Dilma assumiu compromisso em favor da lista. O texto, assinado pelo frei Xavier Plassat, tem cópias para a ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvatti, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto.

A comissão lembra que, embora a lista exista desde 2003, a ação foi protocolada em 22 de dezembro de 2014, “primeira segunda-feira após o início do recesso forense”, sob a alegação de perigo na demora, e foi atendida em prazo recorde (dois dias).

“Os motivos alegados – ausência de lei na qual a portaria se baseia e ausência de contraditório prévio à inclusão do nome do empregador no cadastro, cuja divulgação é expressamente prevista pela portaria – não encontram mínimo suporte, como já foi amplamente demonstrado em decisões anteriores de altas Cortes do país e vem sendo evidenciado na prática transparente adotada pelo Ministério do Trabalho e Emprego ao estabelecer, antes da inclusão no cadastro, um processo administrativo com amplo direito a contraditório”, diz a CPT.

“O perigo na demora, se existisse, estaria na manutenção da funesta decisão cautelar deferida, pois a mesma retira ao conjunto da sociedade, do mercado e até da comunidade internacional a transparente informação à qual têm direito em relação à violação de garantias fundamentais, constitucionalmente estabelecidas como prioritárias e independentes de qualquer reserva legal: o direito à liberdade e à dignidade, bem como o direito à transparência dos atos administrativos. Também impede dramaticamente a continuação do esforço virtuoso iniciado para municiar e reforçar o monitoramento corporativo e a vigilância cidadã das cadeias produtivas, estimulando assim o retorno a práticas abomináveis, além de desleais”, acrescenta a comissão na carta aberta.

Suspensão de lista suja opõe STF e Procuradoria-Geral da República

A CPT entende que a suspensão da divulgação da lista funciona como estímulo à prática do crime. E considera que a manutenção da medida é “insustentável”.

No apelo a Dilma, a entidade cita carta-compromisso assinada pela então candidata à reeleição: “Assumo, caso eleita, o compromisso público de: (…) Apoiar o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra escrava, conhecido como a “Lista Suja”, instrumento mantido por intermédio da Portaria Interministerial 02/2011, do Ministério do Trabalho e Emprego e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que tem sido um dos mais importantes mecanismos de combate a esse crime”.

A entidade afirma ainda que não há como separar a ofensiva contra a “Lista Suja” “de outras iniciativas, especialmente no campo legislativo, visando a obrigar o Brasil a retroceder no seu histórico compromisso de erradicar o trabalho escravo”. Cita a tentativa de revisão do conceito legal de condição análoga à de escravo em relação ao estabelecido pelo Código Penal. “Nesse sentido, a totalidade dos itens assumidos por Vossa Excelência, na sua qualidade de candidata a presidente, na carta-compromisso contra o trabalho escravo, passou a ser de gritante atualidade”, alerta a CPT.

“Por ter contribuído incansavelmente, e por mais de 40 anos, na construção do compromisso da sociedade e do Estado brasileiros de erradicar o trabalho escravo do país, a Comissão Pastoral da Terra, junto com seus parceiros da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, fica hoje no aguardo esperançoso de uma pronta manifestação de Vossa Excelência, em coerência com o engajamento público que assumiu”, conclui a entidade.

Texto publicado originalmente pela Rede Brasil Atual (RBA)