Em 7/4, foi lançada em Campo Grande (MS) uma nova ferramenta de prevenção e combate a esse grave problema social: o ProMoVe Carvão Sustentável.
Por Jorge Abrahão*
O século 21 chegou e o Brasil ainda precisa lutar contra o trabalho análogo à escravidão em vários segmentos produtos, tanto na área rural como na urbana. As iniciativas do governo e das empresas no combate ao trabalho escravo são apontadas como referência internacional tanto pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como por entidades de direitos humanos. Mas ainda há muito que fazer.
Não custa lembrar que o “gatilho” para a mobilização empresarial atual começou por causa de uma reportagem publicada na revista do Instituto Observatório Social, que denunciava as condições degradantes de vida e o trabalho análogo à escravidão a que estão sujeitos centenas de milhares de brasileiros “perdidos” nas carvoarias do Norte do país. Essas carvoarias forneciam (e ainda fornecem) carvão vegetal para siderúrgicas em várias regiões do Brasil, as quais produzem o ferro-gusa que, na ponta da cadeia produtiva, vai abastecer boa parte da indústria automotiva do Sul-Sudeste do Brasil e também de vários países do mundo.
Ao tomar conhecimento da reportagem, o Instituto Ethos articulado com a OIT, o Ministério Público do Trabalho (MPT), a ONG Repórter Brasil e outras entidades, mobilizou as principais siderúrgicas brasileiras para conversar e desse diálogo surgiram algumas iniciativas importantes no país. Destacamos duas delas, que visam erradicar o trabalho escravo em todos os setores produtivos. A primeira é o Instituto Carvão Cidadão, lançado no Pará em 2004. Com o objetivo de promover a reinserção no mercado de trabalho dos trabalhadores resgatados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, já conseguiu recolocar mais de cem pessoas nas próprias siderúrgicas.
A outra iniciativa a destacar é o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que foi criado em 2005 e tem atualmente quase 400 signatários, dentre os quais empresas que somam 30% do PIB nacional. Em razão da importância nacional e internacional desse pacto e do aumento do interesse das empresas em fazer parte dele, as organizações que compunham o seu Comitê Gestor decidiram pela criação de um novo instituto para dar conta dos desafios para combater o trabalho escravo. Assim, em novembro de 2013 foi lançado o InPacto – Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
Um quinto da “lista suja”
No final de 2013, ao se atualizar o cadastro de empregadores feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a chamada “Lista Suja”, as carvoarias representavam um quinto das novas inclusões. Entre as violações típicas que caracterizam trabalho análogo à escravidão, os auditores do MTE registraram alojamento precário, jornadas exaustivas, indisponibilidade de água potável, péssimas condições de higiene, falta de registro em carteira de trabalho, exposição constante a gases tóxicos, fuligem e altas temperaturas dos fornos de queima da madeira e falta de equipamentos de proteção.
Com isso, os trabalhadores resgatados nas carvoarias não raro estão doentes, com desidratação, queimaduras, lesões musculares graves, hérnias e até cortes e fraturas, em caso de acidentes não atendidos.
Por esse motivo, o Instituto Ethos, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a OIT, a WWF e a Fundación Avina organizaram em 2012 o Grupo de Trabalho para a Sustentabilidade da Produção de Carvão Vegetal de Uso Siderúrgico no Brasil (GT Carvão Sustentável), que é composto por organizações da sociedade civil e empresas e tem como objetivos:
- Promover ações que incidam sobre os fatores críticos socioambientais da produção de ferro-gusa que utiliza carvão vegetal;
- Influenciar o aperfeiçoamento e a criação de políticas públicas que promovam a sustentabilidade da cadeia produtiva do aço; e
- Fortalecer o mercado nacional e exportador de ferro-gusa, promovendo a rastreabilidade dos insumos de base florestal e o aprimoramento das práticas empresariais do setor.
Para isso, construiu-se uma agenda de compromissos voluntários, bem como uma relação de princípios e critérios que devem nortear a produção de carvão vegetal no país, os quais devem ser assumidos pelas siderúrgicas e respectivas cadeias produtivas.
ProMoVe Carvão Sustentável
No último dia 7 de abril, o GT Carvão Sustentável lançou, em Campo Grande (MS), sua mais nova iniciativa: o ProMoVe Carvão Sustentável – Programa Modular de Verificação da Cadeia Produtiva do Carvão Vegetal para a Produção de Ferro-Gusa. O lançamento ocorreu na abertura da Semana Plantações de Nova Geração NPG Study Tour, evento promovido pelo WWF-Brasil, com apoio do WWF Internacional e da Fibria, em parceria com a Vetorial Siderurgia, o Grupo Mutum, o Diálogo Florestal, a Embrapa Gado de Corte e a Reflore.
O ProMoVe Carvão Sustentável é uma ferramenta para implementação gradual dos Princípios e Critérios do Carvão Sustentável, que garantem a origem do carvão vegetal com respeito a questões sociais e ambientais nas bases florestal e industrial, ao longo de toda a cadeia produtiva. O modelo de verificação adotado pelo ProMoVe é inspirado em programas modulares existentes em outros setores e difundidos mundialmente, cujo principal propósito é atingir níveis de sustentabilidade socioambiental de forma evolutiva ao longo dos anos.
Além da preocupação com questões relativas ao desmatamento, critérios relacionados aos direitos humanos e trabalhistas fazem parte do escopo observado e monitorado pela ferramenta. O ProMoVe materializa, de maneira inédita e inovadora, as propostas surgidas nas discussões entre os diversos setores visando contribuir para uma cadeia produtiva ambiental e socialmente mais justa e preparada para atender esse novo ciclo mercadológico.
O conjunto de princípios, critérios e indicadores de desempenho socioambiental foram divididos em quatro módulos, considerando-se ainda uma fase inicial para adequação. Para cada módulo, há um conjunto de critérios selecionados e o incremento de indicadores relacionados aos princípios observados.
Os três primeiros módulos preveem um tempo de permanência máxima em cada um, ao cabo do qual a empresa é afastada do programa. Apenas no último módulo, chamado de “Sustentabilidade Gold na Produção e Consumo do Carvão Vegetal”, não há um período especificado para permanência, porque supõe-se que seja um estágio de melhoria constante, em que os principais desafios – como desmatamento e condições indignas de trabalho – já tenham sido superados.
Regras de participação/adesão
Serão aceitos no ProMoVe Carvão Sustentável produtores de ferro-gusa e unidades de produção de carvão vegetal. Também serão aceitos operadores florestais, que consistem em produtores de madeira e proprietários de florestas naturais ou plantações (florestas energéticas), que são utilizadas para abastecer a cadeia do carvão vegetal.
Para aderir ao ProMoVe, além de assinar o Termo de Adesão a empresa deverá apresentar sua base de suprimento de carvão vegetal ou madeira, por meio de demonstrativos de consumo mensal de carvão e rendimentos, volume anual de carvão adquirido e sua origem (lista de carvoarias fornecedoras) e o volume (mensal/anual) de carvão adquirido por carvoaria.
* Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos.
Foto: Fornos de produção de carvão em Mato Grosso do Sul
Crédito: Divulgação/PMA