O trabalho escravo reside na informalidade, e a educação de pequenos e médios produtores pode ser a chave para mudar essa realidade.

Discutir o trabalho escravo, antes de tudo é discutir sobre a dignidade humana. Na oportunidade, Luiz Machado, coordenador do Programa de Combate do Trabalho Forçado, representando a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estabeleceu um panorama desse trabalho realizado pelo órgão. “A OIT tem o papel articulado de trazer diferentes atores para a luta de erradicar tal atividade”, reforçou Machado.

O representante da organização esclareceu que o órgão tem uma série de recomendações que mostra os caminhos que os países membros têm que seguir e o papel de todos, pois, se não houver um esforço grande – com união –, não se conseguirá erradicar essa chaga no mundo. Machado informou, ainda, que no dia 22 de setembro foi lançado na ONU, a Aliança 8.7 que mobilizar todos os atores da sociedade civil para erradicar o trabalho escravo até 2025, e até 2030 erradicar o trabalho forçado.

Endossando as palavras de Machado, o procurador do trabalho da Procuradoria Regional do Trabalho da 24. Região, Jonas Ratier Moreno, falou que a luta tem avançado lentamente, como prova a Emenda Constitucional 81 que levou cerca de 20 anos para ser promulgada. Essa emenda autoriza a expropriação do local no qual foi flagrado o trabalho escravo.

Moreno também abordou sobre o Projeto de Terceirização sem Limites, que contribui para a submissão dos trabalhadores à condição análoga do trabalho escravo. A cadeia produtiva também foi tema de análise do procurador que enfatizou a importância da parceria (união) do setor produtivo com o estado.  “Os governos devem incidir as empresas para que façam o controle dos seus produtos para que estejam revestidos de caráter efetivo ético na sua produção”, sentenciou.

Para discorrer sobre a cadeia produtiva dentro do setor de moda, Edmundo Lima, diretor executivo da Abvtex, disse que, neste ano, as empresas associadas estão investindo R$ 15 milhões nesse monitoramento do trabalho escravo e no desenvolvimento de sua cadeia produtiva. Até porque trata-se de uma cadeia complexa e ampla, pois envolve desde a plantação (exemplo do insumo algodão) até o consumidor, empregando cerca de 1.700 trabalhadores diretos.

Só para se ter ideia, no campo industrial são cerca de 27 mil indústrias – micro e pequenas com dificuldades de gestão e de cumprimento de leis. “Para tratar da complexidade do trabalho análogo-escravo nessa rede, a Abvtex criou em 2010 o Programa de Certificação de Fornecedores que audita as fábricas fornecedoras e avalia em loco 13 requisitos”, esclareceu Lima.

Marcelo Brito, CEO da Agropalma, narrou as dificuldades encontradas não só para avaliar o trabalho escravo em sua área de atuação, atividade que exerceu a partir de parcerias com o Sebrae, órgãos representativos e agricultores, porém sem o apoio do Ministério do Trabalho. Ao longo do tempo, eles concluíram que as ações, antes de tudo, deveriam ser educativas para obter uma mudança no cenário. Assim sendo, juntos conseguiram instituir o primeiro consórcio de agricultura familiar no país e no primeiro ano identificaram quatro casos de trabalho infantil.

Passados cinco anos, Brito comentou que apesar de estarem satisfeitos, essa será ainda uma longa jornada que tem muito a avançar. “A porta de entrada para o trabalho escravo começa na informalidade, e só com a educação dos pequenos e médios produtores para mudar essa realidade. Para tanto, precisamos do Poder Público não só para fiscalizar, como também para educar”, frisou.

Sob o ponto de vista de uma empresa privada, no caso o Carrefour, foi a consideração feita por Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade da empresa. Para o Carrefour a questão é: como monitorar uma cadeia composta de mais de 70 mil itens nas gôndolas? O segmento de multivarejo concentra uma cadeia com muitos produtos os quais podem conter a presença do trabalho degradante, daí a importância de levar a educação, principalmente, nas áreas afastadas dos grandes centros do país. A empresa também tem a preocupação de conscientizar (educar) seus funcionários.

“A desigualdade no Brasil diminuiu, mas ainda é gigantesca”, acredita Pianez, salientando que é imprescindível que as empresas deem sua parcela de contribuição – com a exposição de problemas e a busca de soluções – para iniciativas como as da InPacto.

Presente em todo o País com quatro grandes áreas de negócio – Commodities, Agro, Navegação e Energia – a Amaggi assinou o contrato de adesão ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e, após estabelecer toda uma metodologia, passado um ano, descobriu que 30% do contrato não era atendido. A partir daí, mobilizou 60 funcionários de diferentes áreas e começou a explicar o que é trabalho escravo, difícil de ter crédito pelos próprios colaboradores. O resultado é que hoje a empresa já atingiu um percentual de 70% em atendimento do contrato.

Segundo Juliana de Lavor Lopes, diretora de sustentabilidade da Amaggi, a empresa em parceria com a OIT e a Superintendência Regional do Trabalho de Mato Grosso promove o Ação Integrada, programa que visa trabalhar com os egressos do trabalho escravo. “Esse é um dos maiores desafios que enfrentamos. No primeiro ano, do total de 29 dos egressos, 11 foram absolvidos dentro da empresa”, sintetizou.

O aprendizado obtido junto à cadeia de pecuária bovina, nos últimos 5 anos, foi o case apresentado por Tatiana Trevisan, gerente de sustentabilidade do Walmart. Em 2010, o Walmart lançou globalmente o compromisso de que toda a carne originária da Amazônia e vendida pela rede não estaria relacionada a desmatamento, incluindo também nesse compromisso as questões do trabalho escravo. Hoje o Walmart tem um sistema que monitora 100% da carne que é comprada na região.

“A gente vive numa bolha e não enxerga o trabalho escravo”, declarou Tatiana durante sua exposição, afirmando que precisamos olhar de modo diferente os menos favorecidos, e mudar nosso comportamento em relação a eles, se quisermos ter um mundo melhor.

Nesse sentido, Mércia Silva, coordenadora executiva do InPacto, expressou: “precisamos todos dar as mãos: empresas, fornecedores e concorrentes, pois só em conjunto conseguiremos achar estratégias para combater o trabalho escravo”.

 

Por Zulmira Felicio, para o Instituto Ethos.

 

Foto: Clovis Fabiano/Fernando Manuel/Adilson Lopes