Por: Brenda Rocha, Analista Sênior de Cidadania Corporativa da Firjan
Erik Oliveira, Head de ESG na Treviso Corretora
Lucas Carvalho, Assistente de Projetos em Direitos Humanos do Instituto Ethos
Scarlett Rodrigues, Coordenadora de Projetos em Direitos Humanos do Instituto Ethos

Contexto

A evolução acelerada das tecnologias digitais transformou de maneira profunda e irreversível a forma como vivemos, trabalhamos, consumimos informação e nos relacionamos em sociedade. As redes sociais, plataformas digitais e ferramentas de comunicação instantânea trouxeram benefícios inegáveis, democratizando o acesso à informação, ampliando a participação social e promovendo novas formas de interação e inovação. No entanto, também emergiram preocupações relevantes quanto aos seus impactos negativos, especialmente quando utilizadas de maneira excessiva, indiscriminada ou sem políticas claras de governança, ética e responsabilidade.

Nesse contexto, o debate sobre o uso responsável das redes sociais e de outras tecnologias digitais torna-se cada vez mais urgente. Trata-se de refletir não apenas sobre os riscos associados — como a disseminação de desinformação, a exposição de dados pessoais, a ampliação de discursos de ódio, a pressão por produtividade incessante e os impactos na saúde mental —, mas também sobre o papel fundamental que as empresas devem desempenhar nesse ecossistema.

Mais do que usuárias de tecnologias, as empresas se posicionam como agentes ativos na construção de uma cultura digital pautada por valores éticos, respeito aos direitos humanos, transparência e promoção de ambientes digitais mais seguros e inclusivos. Assumir essa responsabilidade implica adotar políticas internas claras de governança digital, promover a educação para o uso consciente das plataformas, zelar pela proteção de dados pessoais, combater práticas de discriminação e ódio nas redes e fomentar a inovação tecnológica com compromisso social.

Este artigo, fruto do trabalho colaborativo entre o Grupo de Trabalho de Empresas e Direitos Humanos do Instituto Ethos e as empresas integrantes do GT, propõe-se a discutir os desafios e caminhos para o fortalecimento de práticas empresariais que contribuam para um uso mais ético, humano e responsável de tecnologias digitais.

O que as empresas têm a ver com isso?

Organizações de todos os portes estão no centro do ecossistema digital — seja pelo uso de redes sociais para comunicação e marketing, pelo tratamento e armazenamento de dados sensíveis de clientes e colaboradores, ou ainda pela adoção de ferramentas de inteligência artificial (IA) em suas operações. A forma como essas tecnologias são utilizadas pode impactar diretamente direitos fundamentais como privacidade, saúde mental, liberdade de expressão e não discriminação.

Na Treviso Corretora de Câmbio, reconhecemos essa responsabilidade e buscamos alinhar inovação com responsabilidade social, ética e transparência. Isso se traduz em políticas concretas e práticas que envolvem desde a proteção de dados pessoais até cuidados com a saúde mental de nossos colaboradores.

Caminhos para a responsabilidade digital

1. Impactos sociais e psicológicos

O uso excessivo de redes sociais e dispositivos digitais está diretamente ligado a efeitos colaterais na saúde mental, como ansiedade, dependência digital e isolamento social. Ciente desses riscos, a Treviso adotou como contramedida a oferta de atendimento psicológico profissional aos colaboradores. A psicóloga da empresa está disponível tanto presencialmente quanto online, durante o expediente de trabalho, proporcionando acolhimento e suporte contínuos à equipe.

2. Privacidade e segurança

A proteção de dados pessoais é um dos pilares éticos no mundo digital. Em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a Treviso desenvolveu políticas internas robustas para garantir a privacidade de clientes, parceiros e colaboradores. Além disso, investimos em práticas de segurança da informação baseadas nos três pilares fundamentais:

Mesmo com essas diretrizes, manter os dados seguros em um ambiente digital em constante mutação é um desafio contínuo. Por isso, a empresa adota uma abordagem preventiva, com treinamento contínuo, auditorias regulares e uso de tecnologias atualizadas.

3. Inteligência artificial (IA)

Como empresa que valoriza a inovação, a Treviso desenvolveu sua própria ferramenta de IA, criada para otimizar processos internos por meio de comandos personalizados (prompts). Essa solução tem agilizado o atendimento de demandas operacionais, promovendo mais eficiência sem comprometer a qualidade.

Entretanto, estamos atentos aos riscos do uso indiscriminado da IA, como vieses algorítmicos, perda de controle sobre decisões automatizadas e uso indevido de dados. Por isso, estabelecemos diretrizes éticas para sua aplicação, reforçando o uso consciente, responsável e supervisionado da tecnologia.

Parcerias possíveis

O enfrentamento dos desafios digitais exige esforços conjuntos. Parcerias público-privadas têm sido fundamentais para ampliar o alcance e a eficácia de políticas e ações nessa área. Projetos de capacitação digital, iniciativas de combate à desinformação, desenvolvimento de tecnologias seguras e inclusivas, bem como fóruns de discussão sobre ética digital, são alguns dos caminhos possíveis.

Empresas também podem apoiar campanhas educativas, participar de pactos setoriais de ética digital e integrar redes de colaboração com ONGs, universidades e órgãos reguladores para fortalecer a governança tecnológica no país.

Case Firjan

Contexto

A FIRJAN, por meio de sua Política de Uso de IA, estabelece diretrizes como:

Desafios atuais e temas emergentes

A crescente complexidade das ameaças digitais tem exposto vulnerabilidades críticas no ambiente corporativo: 1. segurança cibernética: ataques como phishing continuam a ameaçar infraestruturas corporativas, exigindo investimentos em isolamento de sistemas e parcerias com autoridades (ex.: Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD); 2. riscos da IA generativa, ferramentas como ChatGPT e o DeepSeek podem ser usadas para gerar conteúdos enganosos ou vazar dados confidenciais se mal gerenciadas; 3. conformidade legal: empresas precisam equilibrar inovação com exigências legais ou regulatórias, como a LGPD, a propriedade intelectual e futuras legislações específicas para IA. 4. transparência: é de suma importância informar sobre o uso de IA, fortalecendo a confiança da empresa junto aos seus stakeholders.

Empresas e Direitos Humanos: um compromisso estratégico

A atuação corporativa no campo tecnológico está intrinsecamente ligada a direitos fundamentais, pois proteger dados pessoais é uma obrigação ética e legal, como destacado em diversos comunicados da FIRJAN aos seus stakeholders.

Além disso, como algoritmos são frutos do trabalho intelectual humano, também podem reproduzir vieses humanos, logo, é de suma importância mitigar esses vieses em algoritmos de IA garantindo que outputs não perpetuam estereótipos, como de gênero, raça ou classe.

Diretrizes e Política Implementada

Em fevereiro de 2025, a Firjan implementou sua Política de Uso de IA, este foi um marco regulatório interno que 1. define responsabilidades claras para gestores e colaboradores no uso de IA; 2. estabelece processos de aprovação para contratação de ferramentas externas, envolvendo as áreas jurídicas, integridade e tecnologia e 3. integra normas internas ao Código de Conduta do Sistema Firjan, reforçando a cultura organizacional baseada em valores como ética e confiança.

Parcerias público-privadas e dados

Dados da Security Report revelam que 68% das empresas brasileiras sofreram ataques cibernéticos em 2022, com prejuízos médios de R$ 5 milhões por caso.

A cooperação entre empresas e órgãos públicos é vital. Iniciativas como o Acordo de Cooperação Técnica entre setor industrial e governo buscam criar frameworks para segurança digital e uso ético de IA.

Tecnologia como aliada da responsabilidade

O caso da FIRJAN demonstra que o uso responsável de tecnologias exige estruturação interna robusta, transparência e colaboração multissetorial. Empresas que integram inovação a princípios éticos não apenas mitigam riscos, mas também fortalecem sua reputação e contribuem para um ecossistema digital mais seguro e inclusivo. Essa jornada é amplificada pela participação em iniciativas como o Ethos, cuja influência inspira a adoção de compromissos que ultrapassam o mínimo legal instituído, alinhando estratégias corporativas a valores universais.

Nesse contexto, destacamos o impacto da participação da FIRJAN no GT de Direitos Humanos, que tem sido fundamental para repensar o papel das organizações como catalisadoras de mudanças sociais. Como reflexo desse engajamento, a Firjan está se organizando para a elaboração de uma política interna dedicada às práticas institucionais de Direitos Humanos, com vistas a consolidar toda sua atuação para todas as suas camadas operacionais sob a proteção desses Direitos. Como destacado em um de seus comunicados: “Compromisso com a segurança dos dados é uma prioridade inabalável” um mote que deve guiar todas as organizações na era digital, aliado à defesa incontornável da dignidade humana.

Conclusão

A sociedade digital em que vivemos hoje demanda das empresas um posicionamento que vá além da adoção de tecnologias: exige uma atuação estratégica e comprometida com os princípios dos direitos humanos. Como demonstrado ao longo deste artigo, o uso ético e responsável das redes sociais, da inteligência artificial e de outras tecnologias digitais deve estar ancorado em políticas claras, na transparência das práticas adotadas e no respeito irrestrito à dignidade humana.

As experiências compartilhadas pela Treviso Corretora e pela Firjan exemplificam como é possível integrar inovação e responsabilidade, criando estruturas internas que protejam dados, promovam saúde mental, enfrentem os riscos da IA e reforcem a cultura organizacional com base na ética e na confiança. Não se trata apenas de responder a riscos, mas de antecipar tendências, estabelecer limites e criar condições para um ambiente digital mais seguro, acessível e democrático.

Nesse caminho, o papel do Grupo de Trabalho de Empresas e Direitos Humanos do Instituto Ethos tem sido essencial para fomentar um espaço de aprendizagem contínua, construção coletiva e troca de boas práticas. Ao reunir diferentes setores e perspectivas, o GT fortalece uma abordagem intersetorial e colaborativa para os desafios contemporâneos, ampliando o alcance e a profundidade das ações empresariais voltadas à justiça digital.

Mais do que mitigar danos, é necessário cultivar uma cultura organizacional que compreenda a tecnologia como uma aliada na promoção da equidade, da inclusão e da cidadania. Isso implica reconhecer que cada decisão tecnológica carrega implicações éticas — desde o desenvolvimento de um algoritmo até a comunicação nas redes sociais — e que essas escolhas moldam, direta ou indiretamente, o tecido social.

O futuro digital será moldado pelas decisões que tomamos agora. As empresas que compreendem sua responsabilidade nesse processo e escolhem atuar com consciência e coerência não apenas fortalecem sua reputação institucional, mas contribuem efetivamente para um modelo de desenvolvimento mais justo, humano e sustentável. Ao colocar os direitos humanos no centro da transformação digital, estamos não só prevenindo abusos, mas também abrindo caminho para um novo paradigma de inovação: mais ético, mais inclusivo, mais comprometido com o bem comum da sociedade.

Referências

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