O foco principal do programa está em remunerar a preservação de nascentes, rios e matas ciliares, conforme destacado em seminário. 

Em seminário realizado no dia 25 de março, em Taubaté (SP), autoridades e lideranças de diversos municípios do vale do Paraíba do Sul avaliaram experiências e tendências em pagamento por serviços ambientais (PSA) na bacia daquele rio. O encontro, organizado pelo Instituto Oikos, contou com representantes da Agência Nacional das Águas (ANA), do Comitê das Bacias e das secretarias do Meio Ambiente e de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado, que expuseram mecanismos existentes ou em construção para que produtores rurais possam ser remunerados por cuidados com nascentes e cursos d’água em suas propriedades.

Os diálogos destacaram a urgência em ampliar medidas de proteção à qualidade das águas, por meio de estímulos, e não apenas de sanções, assim como a necessidade de os grandes usuários de recursos hídricos e das próprias companhias de saneamento contribuírem para a efetiva implantação e manutenção dessas medidas. Temas que levantaram questionamentos avaliados e esclarecidos durante o evento.

Alexandra Andrade, coordenadora executiva do Oikos abriu o encontro ressaltando a importância do diálogo em torno de um Programa de PSA para Água para o trecho paulista do Paraíba do Sul. O instituto, junto com parceiros como professores do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e da USP Leste, vem trabalhando na definição dos escopos técnico e estrutural, assim como das áreas prioritárias para essa iniciativa.

“A bacia do Paraíba do Sul passa por um momento especial”, disse Nazareno Mostarda Neto, secretário executivo do Comitê das Bacias Hidrográficas do Paraíba do Sul (CBH-OS), referindo-se à crise de abastecimento que a região Sudeste enfrenta. O especialista defende o PSA como uma forma eficaz de gerar água. “Já temos o pontapé inicial e estamos receptivos para avaliar e conhecer mais experiências”, declarou, referindo-se a estudos em andamento.

Tarcísio J. de Souza e Silva, secretário executivo do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul (Ceivap), lembrou a necessidade de ampliar o debate sobre o PSA e Oswaldo Rosseto Jr., da Secretaria Estadual de Saneamento e Recursos Hídricos, reconheceu que existem resistências quanto ao tema. “Queremos dissolvê-las e ampliar o entendimento da definição do usuário pagador e do provedor recebedor; acolhendo o produtor rural na segunda condição, para permitir que ele obtenha verbas do Fundo Estadual dos Recursos Hídricos (Fehidro)”, afirmou, salientando a interdependência desses dois elementos.

Devanir Garcia dos Santos, gerente de Uso Sustentável da Água e do Solo da ANA, fez uma esclarecedora exposição, lembrando que o ciclo das águas acontece tanto no ar, com a evapotranspiração, quanto no solo, com o escoamento e a infiltração. Se a água não tem para onde fluir, causa enchentes. Se passa por terra nua, causa erosão e carrega sedimentos, provocando o assoreamento dos rios e represas. “Com cobertura vegetal constante, essa água deixa de dar prejuízos e se infiltra, limpa, nas reservas ou rebrota em nascentes, realimentando o sistema”, observou.

“Produtor de Água”, como ferramenta de gestão

Mesmo com as claras vantagens de se proteger o solo junto dos cursos d’água, principalmente com matas nativas e sua rica diversidade capaz de reter impurezas e poluentes, existem muitos outros interesses conflitantes para o uso de áreas ribeirinhas. “Somente leis de proteção não resolvem. O PSA é uma ferramenta de gestão para a bacia como um todo. Permite integrar e dividir os custos entre todos e dar sustentabilidade ambiental e econômica ao manejo de plantios”, falou o representante da ANA, citando os investimentos de longo prazo que a reintrodução de mudas de árvores em áreas degradadas requer.

Devanir ressaltou também a necessidade de se diferenciar os serviços ecossistêmicos – isto é, prestados por reservas naturais – dos serviços ambientais, que dependem da ação humana para existir. Para esses últimos, quando ligados à proteção de cursos d’água, a ANA criou, em 2001, o Programa Produtor de Água.

Por meio dele, a agência firma parcerias com municípios e lhes dá apoio técnico e financeiro para estabelecer arranjos locais ligando produtores e usuários pagadores. “O sistema só se sustenta com os dois lados. Deve existir o interessado em comprar e quem queira fornecer o serviço. O pagamento não pode depender da ANA”, esclareceu o profissional.

Ele detalhou as premissas e as prioridades que definem a seleção dos interessados no programa, feita por edital ou apresentação voluntária de projeto. Todas as regras constam do Manual Operativo do Programa Produtor de Água. Hoje, existem 20 projetos de Produtor de Água em operação no Brasil, abrangendo 306 mil hectares e beneficiando, direta ou indiretamente, 30 milhões de pessoas.

“O meio ambiente já não aguenta, precisamos agir”, alertou Devanir. “A questão da água está totalmente ligada à oferta – garantida pela conservação da água e do solo – e à demanda, ligada ao uso e reúso. A outorga precisa ser definida com visão estratégica, apoiada sobre estes dois pilares”, arrematou.

São Paulo encabeça quatro projetos

Helena Carrascosa, coordenadora de Biodiversidade e Recursos Naturais da Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo, concordou dizendo que é preciso pensar a disponibilidade de água em uma bacia com visão sistêmica, relacionando inundações e uso do solo. “As atividades de produção de alimentos, grãos e gado geram renda em proporções inversas aos serviços ambientais”, pontuou. Por isso, foram criados mecanismos de PSA no Estado, conforme a Lei 13.738, de 2009, e os decretos 55.947, de 2010, e 59.260, de 2013, entre outras resoluções.

A legislação define pagamento por conservação, recuperação e reflorestamento e deu base para o Programa Mina d’Água, de proteção a nascentes, iniciado em 2010. Este despertou interesse em 21 prefeituras, das quais 16 assinaram o convênio e nove lançaram editais. “Os gargalos estão na complexidade da questão e nos requisitos para participar, como a regularização fundiária, por exemplo,” explicou Carrascosa.

Além do Mina d’Água, há mais três projetos em PSA iniciados no Estado. Um é voltado para a proteção de área ciliar, em parceria com o Banco do Brasil, visando associar o PSA com financiamentos reembolsáveis do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf). O segundo, definido pela resolução SMA89/2013, para remunerar Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN). Seus primeiros contratos foram assinados no dia 24 de março por 11 propriedades, com valor médio de R$ 202,00 por hectare ao ano.

O terceiro acontece em conjunto com o Fundo Global do Meio Ambiente (GEF), o Ministério de Ciência e Tecnologia, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e os Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, com recursos totais de US$ 26 milhões. Destes, US$ 16 milhões serão destinados só para São Paulo, que promoverá iniciativas de PSA no campo da conservação e no campo de manejo integral da propriedade rural. No primeiro caso, estuda-se utilizar o leilão reverso para aperfeiçoar a relação custo-benefício. No segundo, a intenção é fortalecer sistemas agroflorestais, florestas consorciadas e nativas, para tornar o PSA uma forma de induzir, no curto prazo, a mudança no uso da terra.

Carrascosa encerrou sua apresentação, destacando dilemas brasileiros, como o pequeno e decrescente financiamento para atividades agroambientais no país, mais um fator a fortalecer a necessidade de novos instrumentos econômicos, como o pagamento por serviços ambientais.

Metodologia de cálculo

Muitas dúvidas existem quanto ao valor do serviço ambiental alcançado. João Guimarães da TNC Brasil, instituição ambiental que vem se dedicando a cálculos nesse campo, expôs aos presentes uma metodologia aplicada na bacia do Rio Guandu. Por ela, estimou-se uma redução de 54,9% nos sedimentos levados até o rio, com ações de cuidados com o solo. Essas, projetadas para o período de2014 a2020, gerariam uma economia de R$ 5,6 milhões ao ano, apenas em produtos químicos utilizados na Estação de Tratamento Guandu, sem contar outros benefícios.

“Queremos tornar o produtor rural parte da solução dos conflitos por água”, declarou Guimarães. “Qual o valor da água?’, indagou Devanir Santos da ANA. “Quem o define é o mercado comprador. Lei da oferta e procura, como já colocado”, lembrou, observando, contudo, que há distorções no mercado, no qual ninguém quer investir em água bruta. Assim, a ANA prioriza fomentar essa produção, garantindo um preço mínimo, aliado a outras ações que beneficiam o campo, como assistência técnica e fornecimento de mudas, por exemplo, para se aproximar de um valor real. O gerente também citou um estudo breve que mostrou que apenas alguns centavos a mais na cobrança da água encanada já gerariam recursos suficientes para as medidas preventivas necessárias.

“É preciso demonstrar os benefícios na ponta”, continuou João Guimarães. “O proprietário rural que adere a um programa de PSA também ganha outras vantagens, como adequação das terras à legislação ambiental, melhor conservação de seu solo e maior produtividade.”

Casos regionais

A tarde seguiu com exposições de experiências práticas em Guaratinguetá, São Luiz do Paraitinga e São José dos Campos, municípios paulistas engajados em planejamento e implantação de PSA.

Antes deles, André Marques, diretor executivo da Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Agevap), explicou a atuação da entidade como agência de água da bacia. Ela ocorre sempre por meio de convênio com os municípios, fazendo uma mediação entre as partes e utilizando uma instituição executora, que tanto pode ser contratada diretamente por ela ou pelo governo local. Até o final de abril, a Agevap lançará um edital para aplicação de R$ 10 milhões em atividades de restauração e de conservação. As metas finais nessas atividades são, respectivamente, 420 ha e 350 ha. “Em cifra, R$ 10 milhões podem parecer muito, mas, de fato, não são”, afirmou o diretor.

Por isso, buscam-se parceiros para alavancar a recuperação e proteção de áreas de preservação permanente (APPs) e incentivar o uso sustentável da terra. Uma aliança em vista é com a Petrobras, que poderá aportar recursos definidos em termos de compensação ambiental. Ao ser indagado pelo público, Marques reconheceu que cabe também uma conversa mais expressiva com a Sabesp.

O secretário do Meio Ambiente de Guaratinguetá, Getúlio Martins, expôs as leis do município ligadas à preservação ambiental, desde o projeto União de Fragmentos Florestais, de 1997, até a Lei 4252, de 2010, de Produtor de Água. Ela prevê um planejamento integrado da propriedade e contratos de três a dez anos, com remuneração anual de 10 a 20 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (Ufesp). O primeiro edital, em 2011, conseguiu a adesão de 23 produtores rurais; o segundo, em 2012, de 37. Neste ano, já se alcançaram 17 inscritos até o momento. Até 2020, Guaratinguetá pretende alcançar 1300 ha de matas recuperadas, 1300 ha de matas preservadas e 1500 ha de solo conservado.

Álvaro Lourenço Pereira, diretor de Meio Ambiente de São Luiz do Paraitinga, relatou os esforços locais para difundir o programa estadual Mina d’Água. O município tem 315 nascentes mapeadas, a maioria sem proteção de vegetação. O primeiro edital, em 2012, teve a adesão de apenas dois proprietários rurais. Em 2013, foi feita nova proposta que atraiu o interesse de oito proprietários, com apenas duas desistências após o início das atividades. Entre as nascentes escolhidas, algumas já estão em área preservada para trazer um equilíbrio entre adequações exigidas e remuneração possível. Eles buscam um arranjo local para dar continuidade aos pagamentos e pretendem iniciar conversas com as empresas fornecedoras de água e de energia elétrica, que dependem do nível dos mananciais para prestar seus serviços.

Ricardo Novaes, diretor de Planejamento da Secretaria do Meio Ambiente de São José dos Campos, disse que o conceito de PSA enfrentou barreiras em um município que se vê com vocação industrial. Mesmo assim, alcança avanços, como a definição de um programa específico pela Lei 8703/12 e o Fundo Municipal de Serviços de Ecossistema de 2013. O governo atual quer efetivar mecanismos de mercado para PSA e também vincular receitas orçamentárias a esse campo. Ele busca um acordo com a ANA para o período de 2014 a 2017. Novaes reconheceu também a possibilidade de maior envolvimento da Sabesp no pagamento por serviços ambientais que gerem água de qualidade. São José dos Campos está bem posicionada para essa negociação, sendo detentora de R$ 200 milhões em ações da empresa de saneamento.

Na rodada final de perguntas, questionou-se por que o produtor rural é incentivado e ainda recebe para adotar medidas de proteção à água, enquanto a indústria sempre deve pagar para usá-la? Devanir Santos, da ANA, esclareceu que apenas em área rural pode-se produzir uma água melhor do que a utilizada nas atividades econômicas. Ele argumentou que se deve olhar a bacia como um todo e, ao avaliar benefícios, notar que eles não ocorrem de forma isolada, mas sim para a sociedade em geral, que terá água de melhor qualidade e em maior quantidade. O proprietário rural está prestando um serviço de interesse de todos.

Quando questionados sobre os ganhos políticos com programas de PSA, os palestrantes foram unânimes em apontar melhoria na relação com seu eleitorado ao introduzir e promover esse tema, visto como uma oportunidade histórica para preparar um bom futuro.

Alexandra Andrade, do Oikos, encerrou o seminário adiantando que haverá outros fóruns desse tipo para avaliar como deve ser um programa de PSA para a água no Vale do Paraíba. “Os estudos de regras e diretrizes seguem e a definição do programa deve ocorrer em nove meses, sempre em conjunto com um amplo grupo de apoio”, afirmou Alexandra.

Por Neuza Árbocz